Esta receita nasceu de uma fruteira cheia de maracujás. E cada dia mais cheia. E mais cheia. Venho ganhando muitos do quintal. Ganhando mesmo porque não plantei. E nem colho. Tudo bem, às vezes, caço. Tem uns dois meses que saio andando pelo quintal e pelo jardim e, de repente, tem um maracujá no caminho. Às vezes, dois, três. Às vezes, enormes e amarelo-ouro; outras, verdes ainda imaturos. Às vezes bem no meio do caminho. Outras, junto dos limões ou escondido entre as marantas. Um amarelo em meio ao verde e roxo, que tanto me encantam. Por isso, chega a ser uma caça também. Sei que se espalharam pela cerca viva, venceram as lâminas que podam vez ou outra os fícus, alcançaram o topo das árvores e lá de cima despencam. Assim me surpreendem a cada dia. É como se fosse um presente deixado por alguém muito querido na porta da nossa casa. Eu os recebo com poesia.
Aqui em casa a gente não é muito fã de suco. Se tem fruta, é comida fresca ou em algum prato salgado. Muitas vezes vai para o forno, como as uvas assadas com tomates (parece estranho, mas é uma delícia) ou com couve-flor; o abacaxi, que vai sempre para a brasa em dia de churrasco e, assado no forno, fica maravilhoso neste molho com coentro e pimenta; ou o abacate, que assado faz uma guacamole invernal (desconstruída) de comer com os olhos. Se é banana ou maçã, podem virar bolo ou pão. Laranja, limão e romã, molhos para saladas ou para acompanhar cenoura, abóbora, couve-flor, berinjela ao forno. Cajá-manga vira sobremesa e, quem sabe, um vinagre. Jabuticaba é sinônimo de fartura: então, a gente tem de rebolar para fazer geleia, passas, vinho, concentrado (que fica ótimo sobre sopas), bolo, distribuir para os amigos e ainda arrumar espaço no congelador até que a próxima safra chegue e nos obrigue a invetar alguma moda com elas.
E maracujá não é uma fruta que se come de colher por aqui. Uma pena! Quando era criança, na fazenda da minha tia-avó, adorava colher maracujás e comer de colherinha com sal. Vou até provar de novo porque me lembro de achar uma iguaria. Mas também eu era acostumada a comer sal e molho de pimenta de colher, né? O paladar é mesmo inexplicável! Hoje talvez eu substituísse o sal no maracujá por canela. Essa combinação, sim, tenho certeza, é boa! Os maracujás aqui, que não viram nem suco nem são comidos às colheradas, geralmente fazem um bom molho tipo vinagrete para salada ou peixe ou um molho com tahine para comer com legumes. É certo, então, que começaram a sobrar na fruteira. E, claro, um presente desses não poderia ficar sem um destino digno de seu sabor e perfume. Ah, como amo cheiro de maracujá. É um dos melhores, cheirinho de floresta, de terra úmida, de verão tropical!
Aliás, maracujá, como fruta nativa do Brasil e da América Tropical, combina bem como tudo o que dá por aqui: cacau, coco, manga, castanhas, pimenta, manjericão. Com cajá-manga também é um sucesso. Outro dia usei como base a receita do creme de graviola e castanha e fiz um creme de maracujá com cajá-manga, fruta que, depois de um ano no pé (juro), decidiu amadurecer agora. Ficou uma delícia, reduzi a quantidade de melado para poder sentir bem o azedinho das frutas. E era nesse azedinho do maracujá (o daqui é até meio doce) que fiquei pensando numa noite de sábado quando bateu a vontade de comer algo gostoso. Me lembrei da receita do bolo-pudim de coco com limão, que é a mesma ideia do bolo-brownie da cacau, e resolvi testar com o maracujá. O resultado é que quase não sobra um pedaço para eu provar.
É que o bolo é de uma leveza incrível. Daqueles sabores delicados, simples, elegantes. O azedinho do maracujá está ali, mas não tão óbvio, não tão marcante. É leve, cremoso, tem um doce-azedinho ou um azedinho-doce que faz com que a segunda fatia seja certeira. É mais uma sobremesa que um bolo para tomar com café (que, aliás, acho que seria forte de mais para tanta suavidade). A textura é quase de uma musse, ele sai ainda úmido do forno e, se quiser, pode ir para a geladeira.
A massa não leva nenhum tipo de farinha nem de laticínio. A base é construída apenas com ovos e coco, por isso, a textura é tão molhadinha. O coco é sempre o da fruta, fresco, ralado. Mas gosto de usar uma parte do bagaço que sobra quando faço leite de coco, como já mostrei aqui. Além de ser um jeito ótimo de aproveitar o bagaço, ajuda a deixar a massa úmida. Pode-se até usar apenas o bagaço, mas a massa fica mais molhada, a textura muda um pouco. Então, as proporções ideais para mim são duas: 1 1/2 xícara de coco ralado e 1 xícara de bagaço do leite de coco ou 1 1/2 xícara de bagaço do leite de coco e 1 xícara de coco ralado.
Para manter a umidade e o jeito musse do bolo, gosto de assar em forno baixo, a 160 ° C (meu forno é elétrico; se o seu for forno a gás, aumente para 170 ° C ou 180 ° C). Outra dica é passar os maracujás pela peneira para separar a polpa das sementes. Melhor que bater no liquidificador, pois assim o sumo fica mais concentrado e a gente ainda pode usar as sementes. Foi o que eu fiz na terceira vez que assei o bolo em uma semana. Lá se foram as sementes na massa, ideia da minha mãe, para dar aquele croc-croc bom e realçar ainda mais o sabor do maracujá. Dos dois jeitos é uma delícia, definitivamente não tenho o meu preferido. Os maracujás do quintal são generosos até nisso: renderam duas versões tão gostosas do bolo-musse para a gente ter que repetir a receita e poder ser feliz em dose dupla. Depois me conte a sua preferida!
- 6 ovos
- 2 colheres (sopa) de óleo de coco
- 4 colheres (sopa) de melado
- 2½ xícaras de coco ralado fresco (gosto de usar 1½ xícara de coco ralado e 1 xícara do bagaço do leite de coco)
- ½ xícara de sumo concentrado de maracujá
- 1 colher (chá) cheia de fermento (prefira usar um fermento natural, sem alumínio)
- ½ xícara de sementes de maracujá (opcional)
- Preaqueça o forno a 160 °C (se for a gás, aumente para 170 °C ou 180 °C).
- Unte com óleo de coco uma fôrma pequena (24 cm de diâmetro), de preferência de fundo falso, e reserve.
- Quebre os ovos, um por um, numa tigelinha e passe para o liquidificador.
- Bata bem os ovos. Depois, junte o óleo de coco e o melado e bata mais até ficar cremoso.
- Junte o coco ralado e o sumo do maracujá e bata mais, até ficar bem homogêneo.
- Adicione o fermento e, se for usar, as sementes de maracujá e misture bem com uma colher, sem bater.
- Passe a massa para a fôrma e leve para assar por cerca de 18 minutos, até o bolo ficar assado (só fazer o teste do palito, que deve sair limpo).
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