Férias, quando eu era criança, duravam uma eternidade. Além de o calendário de aulas ser outro, o tempo naquela época corria diferente. No interior de Minas, então, onde minha avó mora, um dia rendia que só. A sensação era de o tempo ter parado. A cada 15 minutos, porém, o sino da igreja contava as horas para a gente. Às 11 badaladas, o almoço já estava na mesa. A couve picada beeeeem fininha e o angu virado num prato marinex daqueles amarelos são inesquecíveis. Assim como as tardes no quartinho de costura a ver minha tia fazendo crochê, enquanto eu aprendia a bordar à mão, ali ao lado dela, uns paninhos que, tristeza, não sei onde foram parar.
Mais um pouco, os primos chegavam da casa da outra vó. Alegria, tínhamos com quem brincar. Às 14 badaladas, já tinha dado tempo de brincar, de brigar, de fazer as pazes de novo. E ainda tinha uma tarde inteirinha pela frente! O melhor, porém, ainda estava por vir. Mais umas três badaladas do sino, um pouco antes do “vai tomar banho que a água da serpentina já está quente” — a hora mais temida do dia, com certeza —, vinha o chamado. Hora de tomar café.
Quando eu era criança, a hora do café toda tarde era ali pelas três. Ao contrário do chamado para o banho, esse a gente atendia correndo, literalmente. E não sei do que eu gostava mais naquela mesa farta. Se dos biscoitos de polvilho, que, parecendo tesouro, ficavam guardados numa lata enorme (daquelas de tinta, mas devidamente encapada com papel de presente pela minha outra tia); da rosquinha de sal amoníaco — passei a vida toda achando que “salamoníaco”, como os mineiros dizem, fosse algo mágico e saborosíssimo —, que era mergulhada cuidadosamente numa xícara de café com leite para depois desmanchar na boca; ou da broinha de fubá com erva-doce, bem douradinha, fofa por fora e oca por dentro, esconderijo perfeito para uma fatia do queijo fresco da fazenda da minha tia-avó. Acho que, para evitar a indecisão, eu comia logo um (ou vários) de cada porque, de criança, eu não era boba que nada.
Pois é, férias em Minas são boas demais da conta! Tanto que este ano estava com saudades desse aconchego mineiro e fomos passar uns dias lá pela Serra da Mantiqueira, no sul do estado (conto mais num próximo post). Comemos muito bem, claro. Subimos umas montanhas, claro. E voltamos com o carro abarrotado de, digamos, souvenirs — que, no meu caso, praticamente se resumem a comida e panelas, claro. No meio de tanta coisa boa, uns quatro quilos de fubá, produzido em Passa Quatro, Minas, mas comprado já lá em Silveiras, São Paulo, na Serra da Bocaina. Um fubá delicioso, praticamente uma raridade, feito de uma variedade de milho vermelho crioulo que nasceu espontaneamente na fazenda da dona Marta. Ela não só planta o milho, como também faz o fubá ainda no monjolo. Mais mineiro e tradicional impossível.
Com tanta mineirice por uns dias, voltei para casa só pensando em fubá. Fiz angu, fiz polenta, fiz farofa com farinha de milho lá de Cunha. Mas um dia desses me deu uma vontade de algo que não sabia bem o quê. Fui para a cozinha. Fiz pão de abóbora com o milho crioulo da dona Marta. Ficou tão bom que valeu pelo almoço. Depois, vi que tinha coco e quis experimentar pão de coco, abóbora e fubá e também ficou gostoso demais. Achei que já era hora de sair da cozinha e fui tomar um chá na sala. Mas a vontade de algo mais me perseguia. Era de um carinho que eu precisava. Na hora, lembrei da broinha de fubá das férias na casa da minha avó. Por sorte, ainda tinha um pouco de fubá de canjica que trago — de onde? — de Minas. Em pouco mais de meia hora, elas perfumavam a casa toda.
Foi só passar o café para acompanhar as broinhas e logo me senti de novo ali na casa da vóvis. A receita da broinha peguei no livro da minha mãe. Já contei por aqui antes que minha mãe publicou um livro com as melhores receitas da família. Claro, a broinha de fubá teria que estar nele. E, como sempre, minha mãe faz um monte de modificações nas receitas. Em vez de leite, que antigamente era leite mesmo, da fazenda, agora usamos leite de coco caseiro. Mas quem tiver leite fresco pode usar que também dá certo.
O fubá, porém, tem de ser de canjica. É diferente desse fubá comum. Bem fininho, mais claro que o mimoso e não acha em todo lugar. A receita é muito fácil. E, como as antigas receitas mineiras, é meio que no olho. É só ficar atento para o ponto da massa, que não é muito dura. Tanto que não dá para enrolar as broinhas na mão. O jeito antigo é passar fubá numa xícara, colocar uma colherada de massa e girar a xícara para fazer as broinhas.
Para não perder o costume da minha mãe, dei meu pitaco na receita. Alterei um pouco as quantidades de leite e óleo para simplificar com medidas de xícara. E resolvi usar na massa um pouco de isca de fubá que tinha fermentando na cozinha para um outro pão. Precisar, não precisa. Mas funcionou superbem. Eu fiz assim: misturei fubá de canjica e água até formar um mingau grosso (mais ou menos uma medida e meia de água para uma de fubá). Passei para uma tigela de madeira, cobri com um voal e deixei num canto da cozinha, fermentando por uns dias, até ficar aerado. Usei uma colherada farta dessa isca para ajudar na fermentação da broinha. A ideia é mais ou menos como a Neide Rigo explica aqui.
Bom, com ou sem isca, as broinhas vão ficar boas demais da conta. E aí você me chama para o café. Eu, como nos tempos de criança, vou correndo.
- 4 ovos
- 1 colher (café) de sal
- 3 colheres (sopa) de açúcar (uso o mascavo)
- 1 xícara de leite de coco caseiro (ou um bom leite de vaca)
- ½ xícara de óleo (gosto de usar o de coco) ou azeite
- 2 colheres (chá) de erva-doce
- 3 colheres (sopa) de fubá de canjica para bater e mais 1½ a 2 xícaras de fubá para dar o ponto da massa
- Preaqueça o forno a 240 °C (alto).
- Prepare uma assadeira antiaderente grande, polvilhada com um pouco de fubá.
- No liquidificador bata os ovos, o sal, o açúcar, o leite de coco, o óleo e 3 colheres (sopa) de fubá de canjica até a massa ficar lisa.
- Despeje a massa numa tigela funda e junte a erva-doce e o restante do fubá aos poucos, até dar o ponto. A masa fica mais mole, pastosa, de forma que não dá para enrolar as broinhas na mão.
- Unte uma xícara com azeite ou óleo, polvilhe com fubá, coloque uma colher (sopa) cheia de massa e vá boleando, mexendo a xícara para formar as broinhas.
- Passe as broinhas da xícara direto para a assadeira. Deixe espaço entre elas.
- Leve-as para assar em forno alto preaquecido por 15 minutos, até começarem a crescer.
- Diminua, então, a temperatura do forno para 180 °C e deixe assar por cerca de 20 minutos. É isso que faz com que as broinhas fiquem ocas por dentro.
- Depois que crescerem bem, pode aumentar de novo a temperatura do forno só para elas dourarem.
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