Comer hoje em dia comer parece que ficou complicado. Quase deixou de ser natural se sentar à mesa para matar a fome, reencontrar memórias ou celebrar com os amigos e a família. É tanto pode isso, não pode aquilo, tal alimento é superpoderoso, o outro emagrece, cura tudo e só falta trazer o amor de volta! Não é fácil escapar de tanta invencionice. Tem hora que eu também chego a ficar confusa. Mas, ao longo do tempo, aprendi duas coisas que me servem de guia quando a cabeça, as emoções e o estômago parecem entrar em conflito: escutar o que o meu corpo diz e olhar para os hábitos tradicionais da minha ou de outras culturas.
São essas sabedorias que hoje me orientam sobre o que, como, quando ou o quanto comer, muito mais que qualquer pesquisa, modismo ou especialista. E as chances de falhar, acredito, são bem menores. Afinal de contas, o nosso corpo sabe como ninguém do que ele precisa, o que faz bem ou mal a ele. A questão é a gente conquistar a sintonia fina para ter esse diálogo. É um aprendizado, pode levar tempo, mas vale a pena a gente voltar a nos olhar mais e dar menos ouvidos aos “você deve isso” ou “não pode aquilo” que vivem nos dizendo por aí.
Além de olhar mais para dentro, aprendi a olhar também para o meu contexto cultural. Como há sabedoria acumulada nas tradições culinárias! É como uma seleção natural do que funciona bem, em geral, para aquele povo. Tanto em termos de escolhas alimentares quanto de formas de preparo. Então, se a gente junta esse conhecimento ancestral com o nosso autoconhecimento, pimba! É bem mais fácil resolver o nosso “dilema do onívoro”, como diria Michael Pollan.
Foi o que aconteceu com a minha relação com as castanhas, por exemplo. De uns anos para cá, elas entraram no cardápio aqui de casa. Primeiro, como um lanchinho para o meio da tarde ou como um petisco fácil e delicioso em reuniões de amigos. Aos poucos, foram ganhando cada vez mais espaço na nossa rotina. Só que nem sempre elas me caíam bem. Teve uma época em que, se eu comia castanhas ou sementes, era dor de barriga na certa. Fiquei meses, quase um ano, evitando-as, respeitando os sinais do meu corpo. Até que encontrei, justamente lá nos hábitos tradicionais, uma maneira de consumi-las melhor.
Povos antigos já sabiam, de uma forma intuitiva, que as sementes e castanhas são muito mais fáceis de digerir quando ficam de molho e depois são secas lentamente. Isso porque elas contêm vários inibidores enzimáticos, como o ácido fítico, que funcionam como antioxidantes para as sementes e como proteção até uma possível germinação. O problema é que esses inibidores enzimáticos podem prejudicar a nossa digestão se consumidos em excesso. Por isso, muita gente se sente estufado e pesado quando come castanhas. Esses compostos também funcionam como antinutrientes, pois impedem que o nosso organismo assimile bem minerais como ferro, cálcio e zinco. Deixar de molho as castanhas e sementes ajuda a neutralizar esses inibidores enzimáticos, a ativar enzimas que vão ajudar na digestão e ainda aumenta o teor nutritivo delas. E, de bônus, elas ainda ficam muito mais gostosas. Esse povo antigo sabia das coisas. É muito ganho em um processo tão simples!
Agora só consumo as castanhas assim e a diferença é impressionante! Requer um preparo com antecedência, mas é simples e eu faço logo uma boa quantidade e guardo em vidros bem vedados. As nozes eu gosto de manter na geladeira, porque têm mais tendência a ficarem rançosas. Deixo as castanhas e sementes de molho por pelos menos 6 horas ou da noite para o dia. Na água do molho, coloco um pouco de sal, que vai ajudar a ativar as enzimas e também a realçar o sabor das castanhas. Depois é só escorrer e levar para secar.
Os astecas secavam sementes de abóbora, depois de ficarem de molho, lentamente ao sol. Nunca testei assim, faço no forno mesmo, melhor até seria no desidratador, mas não tenho um ainda. O importante é a temperatura ser bem baixa, de preferência abaixo de 150 ºc para preservar os óleos. Vale deixar a porta do forno entreaberta se a temperatura dele não baixar tanto. Você pode secar as castanhas por horas e horas a fio, até um dia inteirinho. Depende do tempo que elas ficaram de molho (quanto mais tempo de molho, mais tempo para secar), da temperatura do forno e do quão crocante você quer que elas fiquem. Aqui em casa eu deixo o forno a 90 ºC e as castanhas secam em, mais ou menos, umas três a quatro horas. Chego a deixar até umas cinco horas, dependendo da castanha e do tanto que quero elas crocantes. Se a temperatura do seu forno for maior, elas ficam prontas em umas duas a três horas. É ir testando até chegar ao ponto ideal.
Já testei com nozes, pecãs, avelãs, amêndoas, macadâmias, semente de abóbora e de girassol. Todas ficam incrivelmente mais leves, saborosas e crocantes depois desse processo. Só a castanha-de-caju que ficou mole demais, mas depois aprendi que ela não deve ficar mais que 6 horas de molho e, como já é torrada, pode ser assada em forno mais alto, a 200 ºc. Já que as castanhas vão para o forno, aproveito para acrescentar mais uma camada de sabor. Então, tempero com páprica, curry, sal de especiarias, sal de ervas, pimenta-síria, canela, noz-moscada, cominho. Enfim, dá para fazer mil versões e usar de vários jeitos: para salpicar por cima de saladas e sopas, para usar em massas de pães ou bolos, para fazer patês, pestos. E, claro, como um petisco dos mais saborosos e nutritivos para quando bater a fome no meio da tarde ou chegar aquela visita inesperada.
- Castanha, noz ou semente à sua escolha (nozes, pecãs, avelãs, amêndoas, macadâmias, sementes de girassol, sementes de abóbora)
- 1 colher (chá) de sal marinho (para cada xícara de castanha)
- água filtrada
- especiarias e ervas (opcional): páprica, curry, cominho, canela, noz-moscada, pimenta-caiena...
- Numa tigela funda, coloque a castanha, cubra com água filtrada e dissolva o sal na água.
- Se quiser fazer com várias castanhas, melhor deixá-las de molho separadamente.
- Deixe a tigela em um local morno por, no mínimo, 6 horas ou de um dia para o outro. Eu costumo deixar a tigela dentro do forno desligado.
- Depois, escorra as castanhas num escorredor, deixe secar um pouco e passe-as para uma assadeira grande.
- Se quiser, pode temperá-las com especiarias ou ervas secas e mais uma pitada de sal.
- Leve a assadeira ao forno o mais baixo possível (90 °C seria o ideal e não mais que 150 °C). Se necessário, deixe a porta do forno entreaberta.
- Deixe assar por pelo menos cerca de 2 horas e meia (ou até umas 4 ou 5 horas, dependendo da temperatura do forno) até as castanhas estarem secas e bem crocantes.
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