Sou daquelas pessoas que produzem bem sob pressão. Para escrever, então, é uma beleza! Nada como um prazo a cumprir para ajudar a mente a focar, ser produtiva e até mais criativa. No jornalismo, é o famoso deadline, o prazo-limite para entregar uma matéria. Aliás, acho que essa pressão foi um dos motivos para eu ter escolhido ser jornalista. Adoro a adrenalina do último minuto, aquela incerteza se vai dar tempo de terminar e, o melhor, aquele gostinho de “ufa!, deu tempo e ainda ficou melhor do que se eu tivesse mais prazo”.
Na cozinha isso também funciona para mim. Tem dias que já acordo (mesmo!) pensando no que vou fazer para o almoço. E, às vezes, passo a manhã toda com o assunto na cabeça. Abro a geladeira para o café da manhã e logo já dou uma olhada no que tem por lá, se falta algo. Se vou dirigir, aproveito o tempo ao volante para montar o cardápio do dia. E, confesso, muitas vezes durante o shavasana do yoga (o momento de relaxamento, quando a gente não deveria estar pensando em nada), me pego pensando justamente se faço abóbora assada ou em purê, chuchu com cominho ou com orégano. Não sei se é fome ou uma mente indecisa que precisa, justamente, de mais shavasanas para aprender a se desligar!
Pois é, mesmo com uma manhã inteira de planejamento, o fato é que, na maior parte das vezes, chego em frente ao balcão da cozinha sem ideia do que fazer para o almoço. Mas é só olhar o relógio, que já vai estar marcando mais de 12h30, para, em dois minutos, decidir.
A receita deste ceviche de pupunha e avocado também saiu assim, na pressão. Era véspera da aula do Cozinha Tropical lá em Juiz de Fora e eu estava passando muito mal. Aliás, a história é longa. Eu tinha chegado à cidade um dia antes, depois de fazer uma travessia a pé pela Serra dos Órgãos (coisa mais linda da vida!). Me acidentei no percurso, caí e um bambu cortou meu rosto. Na hora, sabia que ia precisar de pontos e mantive a calma; afinal, estávamos no meio do nada e a um dia e meio ainda de Teresópolis, nossa chegada. Por sorte, encontramos um grupo de bombeiros em treinamento no alto da montanha. Eles fizeram os primeiros socorros e recomendaram que eu ficasse em silêncio, já que o corte era bem profundo e ficar falando, com o machucado aberto, poderia piorar. Calada, eu tentava manter o foco no caminho, que era muito técnico, mas uma dúvida atordoava: será que vou conseguir falar durante umas seis horas no curso, dali a dois dias?
Bom, mantive o passo firme e a cabeça fresca. Enfim, chegamos bem ao abrigo, mas, com o corpo frio, comecei a sentir muita dor no pulso, provavelmente da queda. Mais um motivo para ficar com um ponto de interrogação na mente. Só no dia seguinte, depois de completar a travessia e ainda sem falar, consegui chegar à médica, que deu os pontos no meu rosto e me tranquilizou: eu poderia falar normalmente! Ufa! Mas o punho ainda doía demais. Acordei na véspera do curso sem conseguir segurar um copo! Logo iria descobrir uma inflamação séria no tendão do punho direito. Muita dor, braço imobilizado e uma dúvida se iria conseguir cozinhar no dia seguinte. Mantive o pensamento positivo e os preparativos para o curso.
Porém, como se ainda precisasse de mais “poréns”, tive um mal-estar súbito, daqueles de dar enjoo, calafrio na espinha e sem poder nem ouvir falar de comida. Minha mãe, sempre ela, teve de assumir todos os preparativos finais. Como se faltasse mais algo, fazia frio em Juiz de Fora e todos os vendedores de coco verde ficaram em casa naquele dia. Só sei que ela rodou a cidade para achar coco verde na espessura ideal para o ceviche vegano que faz parte do curso. Ela e o Léo abriram uma dezena de cocos, mas não foi suficiente. Do quarto, deitada, eu ouvia o Léo abrindo os cocos e dizendo: este está muito fino, este grosso demais…
Já era noite, minha mãe me pergunta se, diante de tantas adversidades, não seria melhor cancelar o curso. “Não”, ela já sabia a resposta. Precisávamos, então, e rápido, de uma solução para o ceviche vegano. A pressão era grande: faltava meia hora para os supermercados fecharem. E é nessas horas, justamente, que as melhores ideias aparecem! Sabia que minha madrinha tinha me mandado uns palmitos pupunhas frescos deliciosos lá do interior. Pensei, vai ser a base do ceviche. Em duas palavras, decido o resto, para minha mãe comprar antes de eu cair no sono e só acordar no dia seguinte, horas antes do curso: avocados — que amo e sempre estou à procura de uma nova forma de usá-los — e tomates-cereja, para dar mais cor e um pouco de doçura — um bom contraste com aquele dia tão cinzento!
Foi assim que surgiu esta receita, que apresentei no curso na cara e coragem, sem ter feito ao menos uma vez antes. Já imaginava que ficaria uma delícia, mas não que faria tanto sucesso. Prova do que eu sempre digo para as turmas: sabendo a técnica e o conceito, a gente ganha liberdade para criar. E, assim, vamos nos aventurando nos bons e maus dias na vida e na cozinha. E nos surpreendendo pelo caminho.
- 600 g de palmito pupunha fresco (cerca de 3 toletes)
- 2 avocados maduros, mas ainda firmes
- 1 cebola roxa
- 10 tomates-cereja
- 2 pimentas dedo-de-moça
- ⅔ de xícara de caldo de limão-taiti
- 12 pimentas biquinho
- ½ xícara de coentro picado
- 3 colheres (sopa) de azeite extravirgem
- sal
- Corte os palmitos pupunha em rodelas de cerca de 1 cm. Depois, corte as rodelas em quatro. Se forem muito largas, corte cada rodela com oito partes. Passe o palmito para uma tigela grande funda e reserve.
- Corte a pimenta dedo-de-moça ao meio, retire as sementes e a película branca. Pique a pimenta em tirinhas finas.
- Corte a pimenta biquinho em rodelinhas.
- Junte as pimentas ao palmito. Tempere com sal e uma colher de sopa de azeite. Misture bem.
- Acrescente o caldo de limão e misture.
- Agora é preciso dar tempo para o palmito pegar o sabor da marinada. Deixe na geladeira por, pelo menos, uma hora. Eu gosto de deixar umas quatro horas. Se quiser, pode deixar marinando até de um dia para o outro.
- Dado o tempo da marinada, prossiga o preparo.
- Corte a cebola em meias-luas finas.
- Corte os tomates-cereja em quatro.
- Pique grosseiramente o coentro.
- Abra os avocados. Para isso, passe a faca no sentido vertical até encontrar o caroço. Rode a fruta, cortando toda a lateral. Separe as metades. Para retirar o caroço, com cuidado bata a faca (com a parte mais próxima do cabo) no caroço e gire-a. Basta levantar a faca e o caroço sairá junto. Levante uma ponta da casca do avocado e, com as mãos, retire a casca.
- Coloque cada metade do avocado com a parte plana virada para a tábua. Corte-os em cubos médios.
- Retire a tigela com o palmito da geladeira. Acrescente a cebola roxa, os tomates e o coentro picado. Misture bem.
- Junte os cubos de avocado e misture com cuidado para não desmanchá-los.
- Regue com duas colheres de azeite.
- Prove e ajuste os temperos: sal, limão e pimenta.
- Sirva em seguida.
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