Se tem um ingrediente que é curinga na minha cozinha é o coco. Difícil passar uma semana sem comprar ou, quando com sorte, pegar alguns do pé no quintal. Amo tanto essa fruta que faço tudo com ela: purês, sopas, bolos (de coco com limão, de coco e cacau, de coco com maracujá), brownies, curries, sobremesas, ceviche, bobó, moquecas, molhos de pimenta, peixes assados, broa e broinha de fubá, enfim, uma infinidade de pratos. E a receita fundamental para quase tudo isso é o leite de coco caseiro. Para mim, tão básico que nem me dei conta que nunca havia postado aqui antes como fazer.
Tão básico quanto inconfundível. Faz muita, aliás, toda a diferença usar leite de coco feito em casa a partir da fruta natural, em vez do leite de coco industrializado, aquele vendido pronto nas garrafinhas. Não vou nem entrar na questão da saúde, do uso de conservantes, gomas espessantes etc. Para te convencer mesmo, basta uma coisa: provar o verdadeiro leite de coco. É fresco, cremoso, docinho na medida. Nada a ver com aquele gosto artificial dos leites prontos. Duvido que depois de provar — e de ver como é fácil preparar o próprio leite de coco — você vá querer outra coisa. É tão diferente o sabor que hoje já consigo diferenciar quando o leite de coco de uma moqueca, por exemplo, é caseiro ou não. Perde muitos pontos comigo restaurante que não preza por esse cuidado. O contrário também é verdade.
Uma vez, na Chapada Diamantina (BA), tínhamos feito trilha o dia todo e eu estava faminta. Comera apenas uma batata-doce no café da manhã e já era hora do jantar. Chegamos a Lençóis e fui logo pesquisar onde comer. Em dois tempos decidi, pelo nome mesmo do restaurante: Na Moranga! A Leila, cozinheira e proprietária, veio me atender ainda na calçada. Gostei das opções que ela me sugeriu, tinha até jacalhoada (tipo uma bacalhoada feita com jaca verde), mas meio desconfiada (como todo mineiro), perguntei: o leite de coco é feito aqui mesmo? E a reação dela foi engraçadíssima: me olhou com a cara de quem tinha ouvido a coisa mais absurda do mundo. “Oxe, me respondeu, e tem outro leite de coco?”. Pronto, me ganhou na hora! Comi um camarão na moranga diferente de tudo (tipo um bobó) que já provara (não sobrou nem a casquinha da abóbora para contar história), ganhei a receita, trocamos telefone e um monte de histórias.
Como escolher o coco, abri-lo, tirar a polpa e bater o leite
Para muitas pessoas, no entanto, fazer o próprio leite de coco ainda não é tão natural assim. Tem gente que não sabe como abrir o coco, reclama de ter que tirar a película fina e escura ou acha que o leite ficou aguado, sem sabor. Calma, para tudo isso tem solução — e começa na feira ou no mercado. Depois de muito levar coco estragado para casa, fui aprendendo a escolher um bom coco seco. O ideal é que tenha boa quantidade de água, sinal de que o coco está fresco. À medida que o coco vai amadurecendo, a polpa vai engrossando e a água, reduzindo. Um coco sem nada de água pode estar até mais carnudo, mas é sinal de que está mais velho e, portanto, as chances de ele estar estragado são maiores. Basta, então, chacoalhar o coco para ouvir o barulhinho e se certificar que há água. Na dúvida, entre dois cocos do mesmo tamanho, escolha o mais pesado. Ele deve ter mais água e, pela lógica, ser mais fresco. Repare também se o coco tem rachaduras ou algum sinal de mofo, o que não queremos.
Agora a questão tão temida de como abrir o coco! Não é tão difícil assim, mas exige alguma técnica para você não passar raiva nem se ferir. Eu vou confessar que, de vez em quando, já peço na feira ou no mercado para abrirem para mim. Eles me entregam o coco aberto, porém sem retirar a polpa. Faço isso geralmente quando compro muita quantidade ou estou na dúvida se o coco está fresco mesmo. Assim, evito de trazer coco estragado (dá para sentir pelo cheiro e pela aparência da polpa). Mas, na maior parte das vezes, prefiro abrir em casa. Há várias técnicas. Tem quem bata um coco no outro até que rachem, há quem dê várias marteladinhas no coco e depois uma mais forte para ele rachar, há quem martele ele com força no chão (tem que ser chão duro); eu já até quebrei coco batendo ele na quina de um degrau da varanda e ele rachou na hora (embora eu não recomende!).
O jeito mais seguro e fácil é usar o forno. Para começar, aqueça o forno em temperatura média. Enquanto isso, retire a água do coco. Todo coco seco tem três “olhos” ou furos na parte superior. Apenas um deles é macio o suficiente para ser aberto. Eu uso uma faca de ponta fina (mas cuidado para não entortar a ponta) ou aquele abridor de coco verde para fazer o furo e, depois, um saca-rolhas para alargar o buraco. Aí é só deixar o coco de cabeça para baixo sobre um copo para drenar a água. Feito isso, leve o coco ao forno sobre a grade por uns 15 a 20 minutos, virando ele na metade do tempo. De repente, você ouvirá um “crack” e o coco rachará com o calor do forno. O tempo de forno é rápido e, como a casca é rígida, não é suficiente para “cozinhar” o coco. Essa técnica, além de facilitar a abertura do coco, ajuda a soltar um pouco a polpa da casca. Tire o coco do forno, deixe esfriar e, com uma faca sem ponta, retire a polpa da casca (usar uma chave de fenda, exclusiva da cozinha, também é uma boa). Agora um truque que aprendi com a minha mãe estes dias: depois de tirar o coco do forno e antes de tirar a polpa, ela bate a casca com um socador de madeira (aqueles de pilão). É só segurar o coco com uma mão e ir dando várias batidinhas com a outra. Dessa forma, a polpa se solta quase que completamente e, com sorte, você consegue até tirar a casca todinha de uma vez só!
Está pronto o coco para ser usado das mais variadas formas. Puro é um dos meus lanches preferidos. Tostado no forno, em forma de chips, é viciante. E batido com água, se transforma na bebida dos deuses! Bom, para fazer o leite também há várias técnicas. Na Bahia, por exemplo, eles diferenciam o leite de coco grosso do fino: um, mais concentrado, é o líquido da primeira extração; o outro, mais leve, usa o bagaço do leite grosso batido com mais água e coado novamente.
Em ilhas do Pacífico usam ainda uma técnica bem dos primórdios, de quando não havia liquidificador, mas que funciona bem. Em Fiji, por exemplo, eles usam um raspador de coco (como se fosse uma coroa dentada) para ralar o coco sem precisar retirar a polpa da casca (pelo menos, um trabalho a menos!). Impressionante como ralam o coco rápido. Depois, o coco ralado é coberto com um pouco de água (cerca de meia xícara) e espremido com as mãos para extrair o leite. Uma segunda prensagem também pode ser feita, extraindo-se um leite mais leve, como o leite fino baiano.
Também usam coco ralado para fazer o leite no Caribe. A diferença é que lá é comum usar a própria água do coco para extrair o leite. E deixam o coco descansar de molho na água por uma hora, só depois o leite é espremido. Fica bem concentrado e uma segunda extração também pode ser feita.
O jeito moderno é bem mais simples. Eu apenas corto o coco em pedaços médios, bato no liquidificador com água e coo. Pronto, é isso! Sempre fiz assim e o resultado é ótimo. Estes dias, porém, fiquei curiosa com a técnica caribenha e acabei a adaptando para o liquidificador. A surpresa é que adorei o resultado! Então, em vez de uma, vou explicar as duas técnicas, que são fáceis e práticas. E junto alguns detalhes que fazem a diferença para o leite de coco (qualquer que seja a técnica de extração) ficar mais gostoso!
Um leite de coco delicioso tem boa proporção entre água e gordura. Eu adoro um leite com 40% de gordura para o uso cotidiano, é gostoso e curinga para a maior parte dos preparos. Mas vario também se preciso de um leite mais leve (ou de um maior rendimento), com uns 30% de gordura, ou de um mais denso e cremoso, com até uns 60% de gordura. Isso depende apenas da quantidade de água que vamos usar para bater o coco. Hoje eu já faço de olho: para o leite mais leve, coloco o coco no liquidificador e cubro com água até três dedos acima do coco. Para o leite mais curinga, não tão grosso, mas com gostinho ainda bem característico, água na altura do coco ou até um dedo acima. Para o leite mais cremoso, uso água apenas o suficiente para bater (isso pode variar com o liquidificador), geralmente uns dois dedos abaixo da linha do coco. Simples assim! Mas, se quiser medir, pode usar como padrão para um coco médio, que tem cerca de 330 g:
- 3 1/2 de água: para a versão leve
- 2 a 2 1/2 xícaras de água: para a versão mais curinga
- 1 1/2 xícara de água: para a versão mais cremosa
E como sei qual o percentual de gordura do leite? Muito simples! Depois de pronto, coloco o leite num vidro e levo para a geladeira. Em poucas horas, a gordura do coco vai se separar da água e subir. Basta, então, comparar a quantidade de água com a de creme para estimar o percentual de gordura do leite. Aliás, aqui temos outro produto do leite de coco: o creme de coco. É exatamente essa gordura que se separa da água. É bem concentrada, a textura é cremosa e aveludada e o sabor é o mais rico que puder imaginar. Eu simplesmente adoro comer frutas com o creme de coco. Para ter o creme, basta tirar, com cuidado, essa parte da gordura que se separa após algumas horas. Nesses casos, melhor colocar o leite em uma tigela de boca larga do que em uma garrafa, facilita para tirar o creme. A água que sobrar pode ser usada para bater vitaminas, por exemplo. Mas se quiser usar como leite de coco mesmo, é só misturar bem que as duas partes voltam a se misturar.
Agora, o pulo do gato para o leite ficar mesmo bem gostoso: tem que bater com água quente. Só assim a gordura se solta do coco e dá sabor ao leite. Não precisa ser água fervendo, mas tem que estar mais quente do que morna. A segunda dica é bater bem, por pelo menos uns três minutos. Depois disso, basta coar o leite em um pano de prato limpo ou em um voal. Esprema bem (às vezes, tem que deixar esfriar um pouquinho antes) para tirar todo o leite. Eu gosto também de já bater o leite com um pouco de gengibre ralado. Fica ótimo para usar em curries, moquecas, sobremesas e para fazer um chai ou leite quente com cúrcuma, canela e outras especiarias. Ah, um detalhe importante: não precisa tirar a película marrom do coco, aquela fininha, para bater o leite. Ele só não vai ficar tãaaao branquinho, mas não altera em nada o sabor. Se quiser tirar, porém, é só passar um descascador de legumes ou uma faquinha.
Esse é o jeito moderno, que mais uso em casa. A versão caribenha testei há pouco tempo, mas já me apaixonei também. O gosto do leite fica um pouco diferente, tem um quê a mais de praia, sei lá, talvez mais cremoso, mesmo batido com mais água. A diferença é que, nessa outra forma, vamos ralar o coco (ralo grosso mesmo) e, em vez de água, vamos usar água de coco. Eu uso a água do coco seco (a água de um coco só, às vezes, não é suficiente, importante provar antes para ver se está boa), mas pode ser a do verde. Aqui também a água deve estar quente para ajudar a soltar a gordura do coco. Então, coloco o coco já ralado numa tigela ou no liquidificador e junto a água de coco quente por cima. Deixo uns 30 a 40 minutos em repouso, isso ajuda a gordura do coco a se soltar mais. Depois é só bater bem e coar no voal ou no pano de prato. As proporções aqui são um pouco diferentes: para 150 g de coco ralado (cerca de meio coco médio), uso 2 xícaras de água de coco, o que rende uns 700 ml de leite de coco delicioso. O que achei curioso aqui é que nessa técnica uso mais água, mas o resultado é ainda muito cremoso e saboroso. Vale a pena testar as duas técnicas!
Como uso bastante leite de coco, sempre tenho ele fresco em casa. O leite dura uns 3 dias na geladeira e uns 2 a 3 meses no congelador. Eu acho que a textura dele congelado fica diferente e que a água e a gordura do leite não se juntam bem mais depois. Por isso, em vez de congelar o leite pronto, congelo a polpa do coco. O truque é congelar o coco já cortado em tamanhos médios, porque assim o liquidificador não sofre. Quando quiser fazer o leite, basta tirar o coco do freezer e levar direto para o liquidificador com a água quente. Congelar também é bom para evitar que o coco fique na geladeira e estrague: a durabilidade dele é pequena, uns 3 dias, em média. Há quem deixe o coco na geladeira imerso em água (melhor se for água de coco), mas eu não gosto muito porque acho que muda um pouco a textura para alguns preparos, como para fazer fazer os chips ao forno.
Um extra delicioso: o resíduo do leite de coco e ideias para usá-lo
O resíduo que sobra após coar o leite é valiosíssimo. É como um coco ralado, porém, mais leve e fininho. Cada coco médio rende em média 2 xícaras de resíduo. É bastante coisa para a gente não aproveitar! Uma parte eu gosto de torrar para fazer farinha e, com ela, farofa! Fica uma delícia a farofa de coco com banana-da-terra. Se quiser, pode fazer como a Rita Lobo e juntar um pouco de farinha de mandioca tipo beiju à farofa. Para fazer a farinha, há duas formas: no forno e na frigideira. A primeira é a minha preferida. Basta preaquecer o forno em temperatura baixa (uso em torno de 140 ° C), espalhar o resíduo sobre uma assadeira grande (eu gosto de esfregá-lo entre os dedos, desfazendo as bolotinhas para a farinha ficar bem fininha) e levar para assar até a farinha secar e dourar (cerca de 40 minutos, dependendo do forno). A segunda forma é também muito simples, mas exige presença: basta levar o resíduo em uma frigideira grande e ficar mexendo até dourar, com cuidado para não queimar a farinha. Depois de pronta, é só deixar esfriar e guardar num vidro bem vedado. Dura meses fora da geladeira.
Outra parte do resíduo uso em sobremesas como se fosse coco ralado. É só seguir a mesma medida. O sabor fica um pouco mais suave e a massa, mais úmida. Isso é uma grande vantagem que fui aprendendo a usar ao longo do tempo. Nesses casos, eu não espremo o leite até a última gota justamente para deixar o resíduo mais molhado. Desse jeito, o resíduo deixa, por exemplo, o bolo-brownie bem mais molhadinho que o coco ralado (o natural). Com uma leve adaptação na receita, consegui uma textura bem diferente. Em vez dos 7 ovos da receita original, uso 8. E no lugar do coco ralado, uso 1 1/2 a 2 xícaras do resíduo do leite de coco úmido. Aí é só assar em forno baixo (uns 150/160 ° C) por uns 15 a 20 minutos, até o bolo estar assado, mas a parte de cima ainda bem cremosa. Ele assim é praticamente um bolo-pudim, em vez de um bolo-brownie. Difícil escolher a melhor versão!
Uso também o bagaço em outra sobremesa com cacau: o brownie vegano. A sobra do leite de coco ajuda a deixar a massa úmida e leve. Esse brownie é um escândalo de bom e não dura um dia quando faço aqui em casa.
Já usei o resíduo na massa de cookies, em mingau (feito com o próprio leite de coco), batido com tâmaras e óleo de coco (pode incluir cacau) e enrolado como docinhos, que podem ser passados no cacau. Gosto de fazer também molho de pimenta, batendo, com o mixer, coentro, gengibre, limão, azeite, pimenta, um pouquinho do leite e do resíduo do coco. Quando tem mamão em casa bem maduro, faço um creme que minha avó adora: só bater no liquidificador mamão, resíduo e leite de coco, um tiquinho de canela e, para quem quiser mais doce, um pouco de mel. Fica leve, cremoso e gostoso demais.
Se ainda assim sobrar resíduo, o que é bem comum por aqui, eu congelo e uso depois nas sobremesas. Funciona superbem e evita qualquer desperdício. A única coisa que sobra mesmo é muito sabor de coco por aqui!
- 1 coco seco (cerca de 330 g)
- 2 xícaras de água filtrada quente (quantidade para a versão mais curinga do leite, mas ajuste se deseja um leite mais leve ou mais denso)
- 1 colher (sobremesa) de gengibre ralado (opcional)
- Preaqueça o forno a 180 ° C.
- Com a ajuda de uma faca, fure um dos três "olhos" do coco. Somente um deles é macio o suficiente para ser furado.
- Com um saca-rolhas, aprofunde o furo. Despeje a água do coco num copo.
- Leve o coco ao forno, sobre a grade, por 15 a 20 minutos. Na metade do tempo, gire o coco e espere ele rachar.
- Espere esfriar um pouco. Para ajudar a soltar a polpa da casca, dê várias batidinhas com um socador de madeira (esses de pilão) na casca do coco.
- Com cuidado, use uma faca sem ponta ou uma chave de fenda, para tirar a polpa.
- Corte o coco em pedaços médios para ajudar a bater.
- Aqueça a água. Se quiser um leite mais encorpado, use 2 xícaras. Para um leite mais leve, use 3½ xícaras; para um mais denso, use 1½ xícara.
- Bata o coco com a água e o gengibre no liquidificador por 3 minutos.
- Espere esfriar um pouco e coe o leite num pano de prato ou num voal. Esprema bastante, torcendo o pano.
- O leite de coco pode ser armazenados por 2 a 3 dias na geladeira. Também pode ser congelado. O resíduo do coco pode ser usado como coco ralado. Pode ser conservado na geladeira por 2 dias ou congelado. Também pode ser torrado no forno baixo ou na frigideira para virar farinha de coco.
- ½ coco seco (cerca de 150 g)
- 2 xícaras de água de coco
- Abra o coco e tire a polpa da casca conforme as instruções acima.
- Rale o coco no ralo grosso e passe para uma tigela ou para o liquidificador.
- Aqueça a água de coco (tem que estar bem quente) e jogue-a sobre o coco ralado.
- Deixe o coco imerso na água quente por uns 30 a 40 minutos.
- Em seguida, bata o leite no liquidificador por 3 minutos.
- Coe num pano de prato ou voal, espremendo bastante.
- Conserve o leite de coco na geladeira por 2 a 3 dias e aproveite o bagaço do leite de coco em outros preparos.
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