Dias de festa em casa sempre tem receita nova. Geralmente alguma coisa que andava com vontade há tempos de testar e esperava só a oportunidade certa. Nessas horas, recorro a um dos meus caderninhos onde anoto divagações, receitas a fazer, testes na cozinha. De vez em quando, porém, a novidade no cardápio é puro improviso. Surge de algum ingrediente que está de bobeira na horta ou na geladeira, da vontade de algum sabor específico ou da mistura de ideias e outras influências.
Gosto de fazer cardápios temáticos, inspirados nas minhas andanças por aí. A última comemoração em casa teve uma combinação de sabores tropicais meio brasileiros meios asiáticos: tinha Bahia e Pará, Vietnã e Tailândia à mesa. Eu vejo muito da nossa cozinha, principalmente do Norte e Nordeste, na cozinha do Sudeste Asiático. Essa ponte é uma das minhas maiores fontes de pesquisa e inspiração culinárias e já virou meu estilo de cozinhar. Outro dia falamos mais sobre isso!
Antes, porém, de ir propriamente para o fogão, percorro um caminho de cores, cheiros e sabores mentais para decidir os ingredientes-chave que quero explorar no cardápio da festa. Passo horas e horas folheando livros, cadernos, fotos de viagem, a memória. Ao longo de dias, vou construindo as combinações do que servir para ter uma mesa variada, que atenda às preferências ou restrições de todos os convidados e que, claro, tenha sabores harmoniosos, mas também contrastantes. Limão, pimenta e leite de coco, meu trio tão amado, sempre combinam bem. Mas por que não usar tucupi, tão típico do nosso país, para trazer acidez ao ceviche com maracujá, por exemplo? A brincadeira é boa!
Desta vez, o cardápio tinha de abará a salada thai de arroz com coco e manga, de rolinho vietnamita a caldo de sururu, de feijão-manteiguinha de Santarém a ceviche ao tucupi e maracujá, que por sinal ficou ótimo. Uma viagem mesmo! Alguns dos pratos já havia feito. Outros adaptei a receita para incluir um sabor novo. E mais alguns eram novidade total na minha cozinha. Por exemplo, do bolinho de mandioca com piracuí (farinha de peixe seco) que comemos em Alter do Chão, no Pará, e depois foi testado em casa com a Maíra, amiga querida e parceira de comilanças e experiências na cozinha, surgiu um bolinho de mandioca com jambu e pimenta. Ficou tão, tão bom que vou ter de repetir para anotar a receita certinha e publicar aqui.
As ideias vão surgindo à medida que começo a bolar o cardápio e, principalmente, quando estou na feira ou já cozinhando. Chega uma hora que tenho que abrir mão de várias coisas que gostaria de fazer por falta de tempo de executar tudo, principalmente pratos salgados. Já com a sobremesa, que não costumo fazer tanto, é sempre mais difícil decidir. Desta vez, foi o Léo, meu marido, que pediu o brownie vegano de cacau. Incluí cumaru na receita para dar um toque paraense. E fiquei pensando que, em dias de festa, o brownie merecia companhia à mesa.
No dia do jantar em casa, acordei com a boca pedindo um creme azedinho para acompanhar o brownie. Devo ter sonhado com isso, sei lá. Sei que a caminho da feira, bem cedinho, me lembrei que tinha congelado polpas puras de graviola e cupuaçu que havia comprado na barraca paraense da Feira do Guará. Pronto, era isso: um creme, meio mousse, de graviola, o azedinho que faltava! De tanto que ficou bom, testei também com cupuaçu. Difícil escolher o mais gostoso!
Para a base, usei uma receita de creme de castanha com leite de coco caseiro que faço como recheio de uma torta gelada. Como a torta vai ao congelador, uso uma proporção diferente de óleo de coco para que o creme congele e fique numa textura boa, vira quase um sorvete. A adaptação foi fácil: além de reduzir o óleo de coco, substituí o leite de coco por polpa de graviola ou cupuaçu batida. Nesse caso, como queria bastante cremosidade, bati a polpa da fruta com um pouco de leite de coco caseiro, mas pode ser com água também.
A dica mais importante é deixar a castanha-de-caju de molho antes para que ela fique bem hidratada. É isso que vai garantir a textura e a cremosidade que queremos. A castanha tem que ser a chamada “crua”, que, na verdade, é cozida. Até porque a castanha-de-caju não pode ser comida crua mesmo, pois tem uma toxina, o uruxiol, que irrita a pele. O ideal é deixar a castanha de molho por 8 horas ou da noite para o dia. O demolho, como já expliquei no post sobre castanhas crocantes e temperadas, ajuda também a melhorar a digestibilidade. Porém, se estiver com muita pressa, pode cobrir a castanha com água quente e esperar, pelo menos, uma hora até hidratar ou ainda cozinhar rapidamente a castanha, até que ela amoleça.
Outra dica é dosar a quantidade de água ou leite de coco ao bater a polpa da fruta, para não perder a textura nem o azedinho que tanto queremos. Também gosto de adicionar o mel aos poucos, nem sempre uso a quantidade toda, já que cada mel tem um dulçor diferente. Prefiro usar mel de abelhas nativas, como mandaçaia ou uruçu-amarela. Alguns trazem um gostinho de fermentado que adoro. Qualquer bom mel, porém, pode ser usado. Para quem é vegano, pode-se substituir o mel por melado de açúcar, ajustando a quantidade. O creme só não deve ficar tão branquinho.
De mais, é só bater tudo no liquidificador, aos poucos, para ajustar a textura e os sabores à sua preferência. A mousse fica leve, bem cremosa e com aquele azedinho bom. Vou te dizer que pura é uma delícia. Com frutas mais doces, como manga, também fica ótimo. Mas a combinação com o brownie de cacau é espetacular! Se o brownie estiver quentinho e o creme resfriado, então, aí não me responsabilizo se acabar tudo de uma vez!
- 2 xícaras de castanha-de-caju "crua" (deixar de molho por 8 horas)
- 500 g de polpa pura de graviola ou de cupuaçu
- 1 xícara de leite de coco caseiro ou de água
- 1\3 xícara de óleo de coco líquido
- 1\2 xícara de mel
- 1 colher (café) de extrato de baunilha ou 1 semente de cumaru ralada
- pitada de sal
- Escorra e lave na água corrente as castanhas que estavam de molho. Reserve.
- No liquidificador, bata bem a polpa de graviola ou cupuaçu com o mínimo possível de água ou leite de coco. Passe a polpa batida para uma tigela.
- Junte, no liquidificador, as castanhas, o óleo de coco, a baunilha (ou o cumaru) e o sal e bata bem até ficar cremoso e homogêneo. Vai ficar um creme grosso.
- Acrescente a polpa de graviola ou cupuaçu e bata mais.
- Coloque o mel aos poucos, bata e prove. Ajuste a quantidade se preciso.
- Passe o creme para uma tigela e leve para gelar.
- Sirva puro, com frutas ou com o brownie vegano de cacau.
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