Se eu fosse um cheiro, não teria dúvidas, seria o cheiro suave, fresco, cítrico, herbáceo do capim-limão. Não o da infusão, que é uma delícia também, mas não me desperta tanto os sentidos assim. Eu seria o cheiro do bulbo do capim-limão no momento em que ele é socado ou picado bem miudinho e libera todos os seus óleos essenciais. Ah, que suave explosão! É um daqueles cheiros que me transportam para outro lugar; e esse me leva diretamente para o outro lado do mundo. É o cheiro do Sudeste Asiático, o aroma que me fascinou quando fui para lá pela primeira vez e fez, desde então, eu me sentir em casa por aquelas bandas.
E o cheiro do bulbo é tão maravilhoso quanto o sabor. Na boca, lembra, sim, um pouco o frescor das folhas, de vento batendo no rosto, mas tem ainda algo de cítrico (por causa do citral, a principal substância do seu óleo essencial, também presente na casca do limão), um certo dulçor e até uma picância leve, que despertam, abrem o paladar, me fazem salivar. Para quem tomava infusão das folhas de capim-limão (ou capim-santo, capim-cidreira, como prefira) desde criança, foi uma surpresa e tanto descobrir que o bulbo guarda um presente desses para o paladar e o olfato.
O capim-limão é uma planta bem comum no Brasil e em outros países tropicais, como os dos Sudeste da Ásia e do centro da África, a Índia, o Sri Lanka, a Guatemala. Por aqui é capim de quintal de vó, aquela plantinha que é meio farmácia natural também, boa para fazer uma infusão calmante. Mas o capim-limão é muito mais do que isso! É um ingrediente e tanto para a gente explorar na cozinha. As folhas ficam ótimas no arroz branco de todo dia (basta fazer um amarradinho com elas frescas ou secas e deixar cozinhar com o arroz) e também rendem sucos bem refrescantes. Gosto de bater limão, folha de limão (de preferência nova, basta tirar o veio do meio) e as folhas do capim-limão, é refrescância no grau máximo.
O segredo, porém, mais bem guardado do capim-limão está no bulbo, a parte branca e mais grossa, que geralmente é descartada. Eu, pelo menos, nunca vi venderem capim-limão inteiro nas feiras daqui. Se você andar por uma feira na Tailândia, no Vietnã, na Malásia, no Laos, no Camboja e, tenho certeza, em qualquer país tropical por lá, vai encontrar os bulbos do capim-limão à venda ao lado de outros ingredientes tão aromáticos quanto coentro, hortelã, manjericão.
Por lá o bulbo é bem mais valorizado que as folhas. Na cozinha tailandesa, ele é essencial em curries e em sopas, com o tom yum, um caldo azedinho, picante e bem aromático, feito com capim-limão, galanga (prima do gengibre), folhas de limão-kaffir, pimenta e finalizado com um splash de limão, que é para deixar esse prato inesquecível. No Vietnã, vai em saladas, peixes assados na folha de bananeira e até no famoso rolinho vietnamita. Na Indonésia, é usado socado no pilão em uma combinação de especiarias que temperam carnes de porco ou de frango.
A parte que usamos do bulbo é a mais clara, gordinha e cujo miolo é meio rosado ou em tom de lilás. Ela é coberta por uma casca mais dura e, por ser bem fibrosa, não dá para picar e usar como tempero, mas pode aromatizar caldos e sopas, basta socar com um pilão para ajudar a liberar o óleo essencial. A parte bem interna do bulbo pode até pode ser comida crua: fatiada beeeem fininha vai bem em saladas. Agora, o bulbo faz bonito mesmo usado junto de outros ingredientes também típicos do mundo tropical: coco, gengibre, coentro, pimenta, limão são os pares perfeitos. E são exatamente esses sabores, com mais alho e cebola, que fazem o meu tempero favorito da vida. Ele é ao mesmo tempo fresco, picante, tem um pouco de acidez e é extremamente aromático. É a minha base para quando quero um sabor bem tailandês em qualquer prato. Na verdade, ele é uma pasta de curry thai, mas à minha moda.
Aprendi a fazer pastas de curries verde, amarelo, vermelho, que são os tradicionais, na Tailândia. Adotei a técnica em casa, mas, no dia a dia, não sigo uma receita única, vou fazendo de olho e acrescentando um ou outro sabor de acordo com o que vou cozinhar. Se vou fazer uma moqueca ou um siri ao leite de coco, por exemplo, capricho nas sementes frescas e na raiz de coentro e omito a cúrcuma. Se o prato do dia é um peixe assado na folha de bananeira, posso incluir uma pitada de cúrcuma fresca, raspas de limão e leite de coco ou até um bom molho de peixe (na falta, um bom shoyu) e gotas de óleo de gergelim torrado. Se vou fazer uma sopa de cenoura ou de batata-doce, posso incluir uns grãos de cominho ou um toque de cardamomo. E assim vou adaptando e construindo um sabor novo, com a mesma base.
A ideia aqui é misturar ervas bem aromáticas com cebola, alho e gengibre, tudo bem batido no pilão, até formar uma pasta bem gostosa e que é muito versátil. Fica ótima como base para qualquer curry — de peixe, frutos do mar ou de vegetais —, moquecas, peixes assados, sopas ou um simples refogado de legumes. A minha receita básica vai gengibre, capim-limão, raízes e talos de coentro (são saborosíssimos e, mesmo que você não goste das folhas, experimente, porque o sabor é bem suave), semente de coentro (de preferência a verde, que é minha “especiaria” preferida da vida, mas pode ser a seca também, mais comum de encontrar), pimenta (a que preferir), alho, cebola (geralmente uso a roxa, mas pode ser a branca) e sal. As variações são muitas: um pouco de raspas de limão, um pouco de cúrcuma fresca ou em pó (bem pouquinho, nesse caso), cominho em grãos, curry em pó, cominho ou coentro em pó, pimenta-do-reino branca ou preta ou semente de mamão verde ou pimenta-de-macaco, anis-estrelado, cardamomo, pasta de peixe ou de camarão fermentado (encontra em mercados orientais, mas algumas são muito processadas), pasta de tamarindo, cebolinha, shoyu, óleo de gergelim torrado, leite de coco caseiro.
Enfim, a brincadeira não tem fim. O bom é que a gente pode fazer as nossas próprias versões, variando as ervas e especiarias com o que tivermos à mão. Algumas ideias de combinação que também faço:
- alho, cebola, gengibre, raiz de coentro e semente fresca de coentro e raspas de limão (fica ótimo para temperar peixes tanto para marinadas quanto para cozinhar, grelhar ou assar);
- alho, cebola, gengibre, raiz, talo e semente de coentro frescas, bulbo de capim-limão, caldo e raspas de limão, pimenta vermelha, cebolinha, pimentão vermelho e leite de coco (para temperar e rechear um peixe branco inteiro e depois assar);
- alho, cebola, gengibre e raiz de coentro (para sopas e refogar legumes);
- cebola, pimenta, raiz, talo e semente de coentro e gengibre (para moquecas).
Não tem segredo. Ou, aliás, só um: tem que soltar o braço e bater tudo no pilão. Mixer ou liquidificador não vão deixar o mesmo resultado. É aquela história, a mistura que se dá no pilão tem outro sabor, os ingredientes se encontram, conversam e se misturam de um jeito único. Tão único quando o cheiro do bulbo de capim-limão, que você vai adorar sentir enquanto estiver pilando a sua própria pasta de curry. Depois me conte!
- 3 dentes de alho
- 1 a 2 pimentas vermelhas sem sementes e picadinhas (dedo-de-moça ou outra da preferência)
- 3 bulbos de capim-limão socados e picadinhos (2 colheres de sopa)
- 1 colher (chá) de sal
- ½ colher (sopa) de semente de coentro fresca ou seca
- 1 colher (sopa) de gengibre descascado e ralado
- 2 colheres (sopa) de talos e raiz de coentro picadinhos
- 1 cebola roxa média picadinha
- Se for usar as sementes de coentro secas, torre-as rapidamente numa frigideira seca para liberar os aromas. Cuidado para não queimá-las.
- Prepare os bulbos do capim-limão: tire a casca externa, mais fibrosa e reserve-a para um caldo ou uma sopa. Amasse cada bulbo com um socador e corte-o em tirinhas finas até onde o miolo é lilás.
- Num pilão, junte os dentes de alho, a pimenta, os bulbos de capim-limão e o sal. Comece a socar para formar uma pasta.
- Quando já estiver bem amassado, acrescente as sementes de coentro e o gengibre e soque mais.
- Depois, junte os talos e a raiz de coentro e a cebola e soque bastante, por uns 5 a 10 minutos, até chegar à consistência de uma pasta.
- Pode ser guardado na geladeira por até uma semana ou congelado.
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