Sair de férias aqui em casa nem sempre é algo planejado. Claro, marcamos a data, pesquisamos roteiros, mas algumas vezes o destino é incerto até as vésperas de partir. Foi assim nas últimas férias, as que tiramos em junho. Na semana antes de viajar, eu dizia aos amigos que me perguntavam para onde íamos: “Bom, por enquanto, para a Mantiqueira”. Até a véspera ainda pensamos em outros destinos. Lá no fundo, porém, eu queria me perder pelas montanhas de Minas, subir algumas, comer comida boa e descobrir alguns tesouros naturais e culinários pelo caminho. Pronto — era isso! Saímos de casa com apenas o primeiro destino decidido. O que faríamos, quais cidades visitaríamos, por quanto tempo, nada disso era certo.
E assim fomos. E foi bom demais. Fomos, sem pressa, percorrendo serras, escalando algumas (a travessia mais linda está registrada aqui), ouvindo histórias, desviando o caminho para abraçar amigos, fazendo novos e colecionando um monte de experiências deliciosas. Fomos para a Serra da Mantiqueira, no sul de Minas, como eu queria, mas também para a Serra da Bocaina, na divisa de Rio e São Paulo, e para a linda Serra dos Órgãos, no Rio. Melhor que se planejado! A única coisa “planejada” mesmo era visitar, pelo roteiro, os produtores de azeites locais. Principalmente os da Mantiqueira. E já, já, explico por quê. Pois é, o Brasil produz azeites ótimos e a gente precisa divulgar mais isso!
Faz uns três anos que me apaixonei pelo mundo dos azeites. Foi numa viagem ao Uruguai, em 2015, quando visitamos uma fazenda perto de Punta del Leste que produz azeites de primeira qualidade. Os brasileiros Luca e Thaís tomam conta da Punta Lobos e nos receberam para uma visita ao lagar. A produção deles é pequena, as azeitonas vêm da própria fazenda e são processadas apenas horas depois de serem colhidas. E isso tudo faz muita diferença no resultado final. Até porque aprendi lá que azeite bom é, antes de tudo, azeite fresco. E aí entendi por que até então eu não era tão fã dos azeites que comprava em supermercados. Foi só experimentar um azeite puro, novo, aromático para a experiência ser completamente diferente e eu cair de amores.
Pois é, foi por não conhecer o fantástico mundo dos azeites que, também em 2015, meses antes da viagem ao Uruguai, perdi a primeira oportunidade que tive de conhecer um azeite brasileiro. Viajávamos pela Estrada Real, numa expedição que organizamos a cada quatro anos, a SuperMinas. Tínhamos saído naquela manhã de Ibitipoca e, no caminho para Caxambu, paramos num posto. Eu adoro as vendas nessas paradas no meio da estrada, principalmente em Minas. Sempre tem algum produto local, daqueles sem marca e que são uma preciosidade: um doce, uma geleia, uma cachaça… Nesse posto tinha a primeira leva de um azeite artesanal da região de Aiuruoca, na Serra da Mantiqueira. Não tinha rótulo, a garrafa não era padronizada e nem me lembro do nome do azeite. O aroma, ah, desse eu não me esqueço: era fresco, como grama recém-cortada. Muito diferente do que eu conhecia. Esse cheiro não me saiu da memória e me fez querer voltar à Mantiqueira para conhecer de perto a produção de azeites local.
Nessas últimas férias, então, voltamos à Mantiqueira e fizemos um roteiro por alguns produtores de azeites da região. Não faz muito tempo que o Brasil produz azeites. Os primeiros olivais comerciais começaram a ser plantados por volta de 2008 nos contrafortes da Mantiqueira, entre Minas, São Paulo e Rio de Janeiro, e também no Sul do país. Como leva tempo para as oliveiras começarem a dar frutos — embora possam produzir por 500 anos —, muitas marcas estão ainda nas primeiras safras. Estimam-se hoje 160 produtores no Brasil. Ano passado a produção só na Mantiqueira foi de 50 mil litros de azeite, segundo a Associação dos Olivicultores dos Contrafortes da Mantiqueira (contando apenas a produção dos 48 associados, mas há muitos outros). Para este ano, eles esperam algo em torno de 75 mil litros.
Apesar da produção recente, a qualidade já é ótima. E qualidade de um azeite extravirgem não é só acidez baixa (para ser considerado extravirgem a acidez deve ser abaixo de 0,8%). Embora a baixa acidez signifique que o processo de produção foi bem feito, outros fatores são até mais importantes para a qualidade do produto. Azeite bom é, sobretudo, um azeite fresco. Ao contrário do vinho, o azeite não envelhece bem. E é justamente nesse quesito, no frescor, que os azeites brasileiros saem ganhando. Com a produção nacional, a gente consegue ter acesso a um azeite realmente novo, que foi colhido entre janeiro e março, processado muitas vezes no mesmo dia e colocado à venda logo em seguida. Até a qualidade nutricional do azeite é alterada com o tempo. Quanto mais novo, mais antioxidantes o óleo tem, por exemplo. À medida que o tempo passa e o azeite vai oxidando, ele perde também características de aroma e sabor.
Falando nisso, adoro os azeites com cheiro herbáceo, de mato, de grama cortada. Quando você começa a aprender a sentir o aroma dos azeites, logo passa a perceber que tem muito azeite por aí com cheiro de óleo rançoso. Eca! Outras características do azeite são a picância e o amargor. Gosto daqueles com boa picância, que chegam a travar a garganta e fazem até a gente tossir. Esses são, em geral, mais intensos e combinam com pratos também com mais vigor. Na visitas que fizemos, provamos alguns mais suaves, como o da Olibi, e outros mais intensos, como o grappolo do Ares da Bocaina. Bom, ainda quero aprender muito sobre esse mundo novo (para mim) dos azeites, principalmente dos nacionais. Nessa viagem já aprendemos um bocado, conhecendo de perto olivais, conversando com proprietários das fazendas, como o Antônio, da Oliq, e o Hale, do Ares da Bocaina, e, principalmente, provando muitos bons azeites.
Muita gente ficou interessada e me pediu um relato de onde passamos na Volta da Mantiqueira (os posts sobre os trekkings da viagem estão na página do Da Montanha). Vou deixar aqui um roteiro para quem quiser conhecer de perto também a produção ali no sul de Minas e na divisa de Rio e São Paulo. A melhor época para ir depende do que quer explorar: do final de janeiro até março, dá para ver a colheita das azeitonas e a produção dos azeites, dependendo do produtor, mas chove bem; no meio do ano, é bom para curtir um friozinho na região e tende a chover menos; a partir de agosto, as oliveiras começam a florir e a paisagem dos olivais já muda.
Essa aqui é apenas uma parte pequena do que há na região. Tem muita coisa boa por lá e, com certeza, voltaremos para explorar mais. Aproveite também que a região é linda, cheia de montanhas e, claro, farta em comida boa. No roteiro, além dos azeites, algumas dicas de produtos artesanais locais que vale a pena conhecer. Boa viagem!
Olibi
Integração à natureza
Aiuruoca (MG)
A primeira parada da viagem foi em Aiuruoca. Lá subimos o Pico do Papagaio, a 2.105 metros de altura, bom treino para a travessia que viria pela frente. Antes, assim que chegamos à cidade, fomos conhecer a produção de azeites artesanais da Olibi. Eles oferecem visitas guiadas todos os sábados às 10h pelo olival, com degustação dos azeites. Mas, como fomos numa sexta-feira, ligamos antes e eles toparam nos receber. Chegamos já tarde para conhecer de perto as oliveiras, mas o papo com o Tchê, gerente da fazenda e com bom conhecimento técnico, valeu a pena. Uma coisa que aprendi com ele, por exemplo, é que há um ponto de maturação ideal para colheita das azeitonas e produção dos azeites. Quanto mais verdes, mais suculentas elas estão, então, a produtividade é maior. À medida que vão amadurecendo (e ficando pretas; sim, a azeitona preta é a mesma da verde, só que madura), rendem menos “suco”. O lance é conseguir colher num ponto certo para dosar produtividade com características de sabor, acidez, aroma. Lá eles também fazem conservas de azeitonas verdes e deixam algumas amadurecerem para fazer um produto bem diferente, as azeitonas passas. Parecem mesmo uvas-passas, porque são desidratadas, mas no sal. Ficam enrugadinhas, bem pequenas, salgadas, muitos gostosas. Só tem que tomar cuidado com o caroço!
Outra coisa que ele gosta de explicar, até para desfazer mitos, é sobre usar azeite para fritar e assar. Muita gente acha que o azeite, se aquecido, pode produzir substâncias tóxicas. “Não há problema algum”, diz ele. “Basta evitar temperaturas muito altas, acima de 200 °C”, ressalta. A partir dessa temperatura, o azeite começa a se alterar. Eu, em geral, uso muito azeite para assar, mas sempre mantenho o forno até 200 °C. Não faço fritura em casa, mas sei que a temperatura indicada para fritar não passa dos 170 °C. Então, também pode usar o azeite tranquilamente.
A produção da Olibi é bem recente. O juizforano Nélio Weiss, o proprietário, começou a plantar oliveiras na fazenda em 2011 e comercializou a primeira safra de azeites em 2017. A colheita lá é, em geral, em fevereiro e as azeitonas são processadas no mesmo dia num lagar em uma fazenda vizinha, em Aiuruoca mesmo. Este ano eles fizeram um blend com as azeitonas plantadas lá: arbequina, arbosana, koroneiki, grappolo, coratina e Maria da Fé. No início do ano, logo após a colheita, teve também o azeite novello, que é o azeite da primeira colheita, não filtrado (por isso, com validade menor) e muito aromático. Não achamos mais das garrafas do novello, mas trouxemos algumas do blend, que achei bem suave, saboroso, equilibrado. Para quem fica curioso, a acidez este ano foi inferior a 0,1%. Quem quiser provar os azeites mesmo sem ir a Aiuruoca pode comprar pela internet. Aqui em Brasília não vi ainda para vender.
Na fazenda, eles conciliam a olivicultura com projetos de recuperação ambiental. Em convênio com o Ibama, por exemplo, eles cuidam de aves nativas machucadas ou apreendidas, como araras, tucanos e papagaios. Algumas, depois de tratadas, são soltas na natureza. E também reflorestam trechos de Mata Atlântica com árvores nativas. A fazenda é linda e fica perto da entrada de Aiuruoca. São uns 9 quilômetros de estrada de chão, mas em condições boas.
www.olibi.com.br
Instagram: olibiazeites
(35) 999812-8787, 99984-7696, 99983-0957
R$ 45 a garrafa de 250 ml
Serra dos Garcias
Azeite e cachoeira
Aiuruoca (MG)
Aiuruoca está se tornando um polo de produção de azeites artesanais na Mantiqueira. O clima lá é favorável, tem sol de dia e faz frio à noite. Bom para as oliveiras, que precisam de cerca de 300 horas de frio abaixo de 10 °C por ano para produzirem bem. Eu pensava que só havia a Olibi na cidade, mas, chegando lá, conheci outro produtor de azeites, o Serra dos Garcias, dos Torres Marques. Não conseguimos visitar a propriedade, que fica no Sítio Águas Claras, no bairro Serra dos Garcias. Porém, avistamos o olival do restaurante Casal Garcia (apesar do nome, não tem nenhuma relação com o azeite), que fica a uns 15 quilômetros do centro da cidade. O restaurante é a porta de entrada para a Cachoeira dos Garcias, com uma queda de uns 30 metros de altura e um bom poço para banho. O Sítio Águas Claras ainda não tem uma programação estruturada de visitas guiadas, mas, segundo eles, está nos planos para 2019. Na época da colheita, porém, de maneira informal é possível visitar a produção. O lagar fica lá mesmo no sítio.
Conseguimos comprar o azeite no restaurante, que serve uma boa truta, também um produto típico local. Trouxemos um de arbequina, azeitona de origem espanhola, que acho suave e bem frutada. Eles também plantam azeitonas arbosana, da Espanha, e koroneiki, da Grécia. Este ano produziram, além do de arbequina, um varietal de koroneiki e uma edição especial de blend com as três variedades. Varietal é o azeite que só leva um tipo de azeitona e blend é o feito com uma mistura delas. O azeite de koroneiki, segundo o site deles, recebeu este ano o prêmio Gold Teraolivo Mediterranean Olive Oil. Pena que não achamos para comprar, até porque adoro a picância dessa azeitona. Em Aiuruoca, o azeite é vendido no próprio Sítio Águas Claras, na pizzaria Dona Azeitona, nos restaurantes Dois Irmãos e Casal Garcia e no Armazém Macieira. Aliás, já quero voltar para conhecer também o Armazém Macieira, que vende produtos locais e das redondezas, como cafés, geleias, ovos caipiras, vinhos orgânicos, cervejas artesanais e queijos de leite cru.
serradosgarcias.com.br
Instagram: azeiteserradosgarcias
Sítio Águas Claras
(35) 99700-1773 (Francisco)
R$ 55 a garrafa de 250 ml (comprada no restaurante Casal Garcia)
Epamig
Pesquisa que deu frutos
Maria da Fé (MG)
Maria da Fé é uma cidade emblemática para olivicultura nacional. Lá, desde a década de 1970, a Epamig desenvolve pesquisas para adaptar variedades de azeitonas ao solo e ao clima da região, desenvolver melhores técnicas de cultivo e ajudar os produtores de azeites. As primeiras oliveiras foram plantadas numa fazenda da cidade na década de 1930, trazidas por uma família portuguesa. O cultivo comercial, porém, só começou mesmo em 2008. O pioneirismo da cidade na olivicultura está registrado no nome de uma variedade nacional de oliveira, desenvolvida pela Epamig. A azeitona Maria da Fé, que vimos plantadas na Olibi, na Oliq e na Ares da Bocaina, é um melhoramento genético da variedade portuguesa Galega.
Se quiser, pode agendar a visita ao escritório da Epamig e um técnico fica disponível para tirar dúvidas sobre produção, manejo, plantação. Acabamos ficando sem tempo e não passamos lá. Os azeites, porém, já experimentei várias vezes, trazidos pelos meus pais, e gosto bastante.
Avenida Washington Viglioni, Vargedo
(35) 3662-1227
Fazenda Maria da Fé
Início da história
Maria da Fé (MG)
Na Volta da Mantiqueira, fizemos questão de passar na Fazenda Maria da Fé, uma das pioneiras na olivicultura no Brasil. O azeite deles talvez tenha sido o primeiro nacional que provei, trazido de viagem pelos meus pais, que adoram essa região do Sul de Minas. A fazenda é linda, muito bem cuidada e fica bem próxima à cidade. Tem uma boa infraestrutura, até mesmo com almoço nos fins de semana. Nesta safra, eles produziram azeite de grappolo, bem intenso e picante, e de arbequina, mais suave. No início do ano, provamos também o nuovo, azeite da primeia colheita, não filtrado. Todos bem saborosos. No empório da fazenda, eles também vendem café, doces, biscoitos, ovos caipiras e laticínios de fabricação própria.
www.facebook.com/fazendamariadafe/
Fazenda Maria da Fé, s/n Capitinga
(35) 99221-8607
R$ 45 a garrafa de azeite 250 ml
Oliq
Sofisticação em meio à natureza
São Bento do Sapucaí (SP)
A última parada na Mantiqueira para visitar produtores de azeites foi na Oliq, em São Bento do Sapucaí, já é São Paulo, mas bem na divisa com Minas, perto de Gonçalves. Fomos muito bem recebidos por um dos sócios da fazenda, o Antônio, mineiro de Itabirito. Eu, curiosa, queria tentar identificar as variedades de oliveira pelas características de cada planta. Com paixão e paciência, ele nos explicou, por exemplo, que a koroneiki, de origem grega, tem a folha mais pontiaguda. A ascosana, italiana, tem a folha mais a redondada. Já a catalã arbequina tem a folha fina, mas não espetada, tipo chorona, e no verso é prateada. Linda! Eles também plantam arbosana, grappolo e maria da fé. O olival tem cerca de 13 mil pés, plantados a quase 1.400 m de altitude. As azeitonas são colhidas manualmente e processadas, no mesmo dia, no lagar próprio.
Na visita guiada, conhecemos todo o processo de produção e depois degustamos os azeites. Aliás, foi a melhor estrutura para visitação e degustação que vimos. A fazenda é linda e tem também um espaço para eventos. Acabamos conhecendo um chef de cozinha local, o Alexandre, que estava lá para provar o azeite com aroma de café para um evento que iria fazer com diferentes tipos de azeite da entrada à sobremesa. Conversa vai, conversa vem, ele acabou me ensinado um chutney de jiló delicioso, que já fiz aqui em casa. Qualquer hora posto a receita aqui. 😉
Este ano a Oliq produziu azeite de arbequina, suave e picante, e outro com uma seleção das variedades plantadas lá. Eles também fazem alguns azeites aromatizados naturalmente com café, alecrim, pimenta e limão-siciliano. Aprendi a fazer também: basta deixar, por exemplo, as cascas do limão no azeite por até 48 horas e depois coar. Fica bem saboroso para dar um toque cítrico, por exemplo. Na lojinha, eles também vendem cosméticos à base de azeite, creme, hidratante, sabonete. O sabonete de azeite com borra de café e laranja é algo absurdo de cheiroso. Dá vontade de comer! Vale muito a pena a visita.
www.oliq.com.br
Estrada para o Cantagalo, km 8
Visitas guiadas agendadas: de segunda a quinta-feira, das 10h às 17h
Taxa de visitação: R$ 10, inclui visita ao lagar e degustação de azeites
(11) 99460-4840
(35) 98419-2752
R$ 38 a garrafa de 250 ml
Ares da Bocaina
Surpresa de aromas e sabores
Silveiras (SP)
Da Mantiqueira, seguimos para a Serra da Bocaina. A gente adora a região, tem trilhas lindas em meio àquela paisagem de floresta de alto de montanha, rodeada de pinheiros. Nossa base foi São José do Barreiro, perto da portaria do Parque Nacional da Bocaina. A ideia por lá era fazer algumas trilhas no entorno do parque, preparando para a travessia Teresópolis-Petrópolis. Na primeira manhã, porém, o dia nasceu cinza, a chuva logo apareceu e o guia nos fez mudar de programa: subir o Pico do Tira Chapéu daquele jeito não seria uma boa. Conversa vai, conversa vem na cafeteria da praça — a Mavic, que, por sinal, tem um bolinho de fubá delicioso —, a dona comentou de uma fazenda produtora de azeite que ela havia conhecido na região. Produtor de azeite por aqui? Pronto! Decidido no ato nosso novo destino. Um Google me levou ao site do Ares da Bocaina e, para nossa sorte, o proprietário estava indo para a fazenda e aceitou nos receber.
E que recepção! O Hale foi a figura mais simpática que encontramos na expedição. Entusiasmado, passou o dia todo conosco, contando as origens da sua produção e os detalhes do cultivo nas terras da Bocaina, a 1.220 metros de altitude. A história do Ares da Bocaina começou em 2008, quando foram plantadas as primeiras oliveiras, trazidas de Maria da Fé. De início, vieram mudas de grappolo e arbequina; ano passado plantaram também a variedade nacional maria da fé. Ao todo, são 1.770 plantas hoje. A produção é processada num lagar em Maria da Fé. Mas, disse o Hale, estão planejando construir um lagar na fazenda com prensa hidráulica, em vez de centrífuga. Segundo ele, a prensa é melhor que a centrífuga, pois esta volatiza muito o azeite, tirando um pouco do aroma.
Este é o segundo ano de produção de azeite lá. Em 2017, colheram 1.800 quilos de azeitonas, que renderam 211 litros de azeite, um blend de grappolo e arbequina. Em 2018, colheram 2 toneladas só de arbequina. Ao todo, produziram cerca de 1.000 litros, sendo 850 litros destinados à venda. Hale explicou que fizeram poucas garrafas de arbequina pura, bastante complexo, um pouco também de puro grappolo, delicioso, e a maioria do blend de arbequina e grappolo. Todos não filtrados. Para mim, os azeites do Ares da Bocaina foram a surpresa da expedição. O grappolo puro, então, é bem picante, gostoso e tem aroma de alecrim.
Por sinal, eles também plantam muitas ervas e plantas medicinais, como alecrim, lavanda, capim-limão, gerânio, das quais produzem óleos essenciais e hidrolatos. A fazenda também tem estrutura de pousada para receber turistas. Os produtos são vendidos lá na fazenda, em Silveiras e em alguns empórios no Rio, em BH e em São Paulo. O Hale também envia pelos correios para quem quiser.
www.aresdabocaina.com.br
(12) 99664-7907
(12) 99664-8021
(12) 3145-1461
Estrada Municipal da Bocaina km 6, bairro Colina dos Macacos
Silveiras (SP)
R$ 45 a garrafa de 250 ml
Além do azeite
Truta e conservas do Kiko & Kika
Além, claro, do azeite e da boa comida mineira, outro produto que é a cara de Aiuruoca é a truta. Há vários criadores por lá, mas quem se destaca é o casal Kiko e Kika. Ele nasceu na França e faz parte de uma família que cria trutas já há três gerações. Ela veio de São Tomé e Príncipe e morou no Rio antes de chegar há décadas à Aiuruoca. Juntos abriram um restaurante onde serviam trutas (que vêm de um fornecedor próprio) frescas ou defumadas. Digo serviam porque eles agora fecharam o restaurante, mas continuam vendendo os produtos no empório, que funciona no mesmo local, no quintal da casa deles, numa estradinha de chão a uns dois quilômetros do centro da cidade. O próprio Kiko criou o forno para defumar as trutas e usa uma técnica especial. Fomos lá conferir, trouxemos um quilo das trutas defumadas e congeladas para casa e distribuímos um pouco também para os amigos e a família ao longo da viagem. O Léo gostou tanto que meus pais passaram por lá estes dias e já compraram mais um tanto para nós. A defumada realmente é bem diferente.
Cristina, a Kika, é uma figura, daquelas meio bruxas, sabe? Veterinária, trocou a pesquisa e o trato dos animais pelo restaurante. Com o tempo, resolveu resgatar suas memórias e os sabores da infância, na África, e começou a fazer receitas da avó. Algumas delas ela vende no empório, como as conservas de pimentas no gim, melhor bebida, segundo ela, para conservas, porque com o tempo não amarga. Aprendi a receita com ela e qualquer hora posto aqui. Além das trutas, compramos um monte de coisas por lá: vinagre artesanal de maçã (que fermenta por mais de seis meses), outras pimentas, molho de frutas vermelhas. Vale a parada pela truta, pelo papo com a Kika (não conhecemos o Kiko, mas meu pai adorou a conversa com ele) e pelos produtos do empório.
kikacraik@gmail.com
Estrada Aiuruoca-Vale do Matutu, Km 2
(35) 3344-1453 e 99927-4853
R$ 80 o quilo da truta defumada
Queijo de Alagoa
Entre Aiuruoca e Itamonte, no alto da Mantiqueira mineira, a cidade de 2.700 habitantes guarda um segredo bem mineiro: um queijo único daquelas terras. Tão bom que ganhou medalha de bronze em um concurso de queijos na França em 2017. É um tipo parmesão, feito de forma bem artesanal por pequenos produtores na zona rural da cidade. Meu pai é apaixonado pelo queijo de Alagoa há anos, principalmente por ter características únicas, dadas provavelmente pelas condições de solo, água, relevo e temperatura locais. De tão peculiar, o queijo deve receber em breve a certificação de produto de origem geográfica de Minas Gerais, da região das Terras Altas da Mantiqueira. A dica do meu pai é deixar o queijo, que já passa por maturação por 22 dias, curando por pelo menos uns dois ou três meses — ou até um ano. Isso, diz ele, muda o sabor do queijo. A casca fica dura, mas o interior fica macio e amarelado.
A cura pode ser feita em caixas de madeira próprias para isso (eu já fiz também com uma tábua de madeira como base e um escorredor como tampa para o queijo) ou na geladeira. Para a primeira forma, faça assim: coloque o queijo na caixa de madeira ou sobre a tábua e vire o queijo todos os dias. De 15 em 15 dias, lave-o em água corrente usando uma escova. Deixe o queijo secar e volte com ele para a caixa de madeira. Repita o processo por, pelo menos, dois, três meses. Para curar o queijo na geladeira, deixe-o dentro de um saco plástico fechado e coloque-o na parte mais baixa da geladeira. A cada 15 dias, lave o queijo com uma escova, seque-o em papel toalha e deixe-o sobre um prato ou uma tábua por umas três a quatro horas para secar bem. Volte a colocar saco plástico e a guardar na geladeira. Para consumir, retire o queijo da geladeira, lave-o, seque-o e deixe-o fora da geladeira por uns dois a três dias antes de consumir.
Alagoa também tem produtores de azeite locais, mas nessa expedição não passamos por lá. De Aiuruoca a Alagoas são 33 quilômetros de estrada de terra, mas tranquila.
Queijo de Alagoa
R$ 25 a R$ 30 a peça de cerca de 1 kg
Meu pai gosta do queijo da Fazenda JM
Queijos de Cruzília
Antes de deixarmos Aiuruoca, um casal que estava no mesmo camping que nós nos recomendou passar em Cruzília, cidade vizinha também famosa pelos laticínios. A produção de lá, porém, não me pareceu tão “caseira” como em Alagoas. Eles produzem vários queijos especiais, com mofos azul e branco, por exemplo. Um deles, o Santo Casamenteiro, um tipo de gorgonzola de mofo azul com queijo cremoso, conquistou a medalha de prata num concurso na França (o mesmo disputado pelo queijo de Alagoa) ano passado. Ouvimos também falar do queijo A Lenda, cuja receita foi encontrada, depois de décadas, dentro de um cofre com um pote do fermento. Pois é, animados com tanta história, fomos para Cruzília num domingo à tarde, mas não encontramos nenhuma loja aberta. Rodando o centro da cidade, conseguimos comprar algumas peças de queijo minas só para não perder a viagem. Portanto, melhor passar por lá durante a semana ou no sábado de dia.
Cafés de Carmo de Minas
De Cruzília, seguimos para São Lourenço. Queria abraçar uma amiga querida, a Kamila, que está morando lá e conhecer uma nova amiga. Explico, há anos sigo o perfil do Sopa de Pedrinhas no Instagram, um bistrô de comida verdadeira, como a Cecília, a dona e cozinheira, gosta de chamar. Fico literalmente babando nas preparações dela, sempre genuínas, vegetarianas ou veganas, com muita brasilidade e criatividade. Então, estando lá pertinho, não poderia deixar de ir dar um abraço ao vivo na Cecília e finalmente provar da comida dela. Provei não um, mas logo três pratos; todos deliciosos! O preferido foi a panqueca de farinhas de amêndoa, beterraba e linhaça com recheio de chicória, folhas de rabanete e beterraba, azeitona e damasco. Tão, mas tão bom que minha boca chega a encher d’água só de lembrar. O bistrô abre de quarta a domingo para almoço e jantar, uma raridade esse horário ainda mais no interior. Recomendo muito para quem estiver pela região.
A Kamila também nos levou para tomar um café no Unique Cafés, que tem grãos deliciosos. Gostamos muito do Moca, mais adocicado, e do Winter, mais ácido, cremoso e com aroma de melado. Veio, então, a vontade de conhecer um pouco mais dos bons cafés do Sul de Minas e, então, aproveitamos a manhã seguinte para ir a Carmo de Minas, a apenas 7 quilômetros de São Lourenço.
O Sul de Minas é a região que mais produz café no Brasil. E Carmo de Minas está incluída no grupo. A cidade é bem pequena e gira mesmo em torno do café. Ao lado da estrada, estão os galpões da cooperativa, que concentra os grãos dos produtores locais — alguns grandes, outros pequenos, a maioria em sistema de cultivo convencional e ainda poucos, mais já existentes, em cultivo orgânico. Na rua logo abaixo da estrada, numa casinha simples, está o escritório da Unique. Só bater a campainha, sem hora marcada mesmo, que eles te atendem e mostram o processo de torra dos grãos. O cheiro já é incrível da rua, imagine lá dentro, então. Achei interessante que, depois da torra, o café ainda passa por mais uma etapa de seleção manual dos grãos antes do envase. Para quem quiser conhecer todo o processo, dos cafezais até a xícara — e até sobrevoar os plantios de balão —, eles fazem roteiros em grupo ou individuais pelas fazendas da região. Nesse caso, é preciso agendar pelo site. Dá para comprar os cafés da Unique, em grãos ou moído, tanto na loja de São Lourenço quanto no escritório em Carmo de Minas.
Visitamos também a loja da Carmo de Minas Café, de uma família que produz cafés artesanais. O dono é uma figura, adora contar histórias e até me deu café verde para eu torrar em casa e usar para assar legumes. Quando já estávamos no carro, veio correndo avisar que ia receber um lote de café orgânico de um pequeno produtor que tinha sido avaliado com nota altíssima (é de Carmo de Minas também o café mais premiado da história). Fiquei de comprar para o meu pai, mas pena que esqueci. Tanto a Unique quanto a Carmo de Minas vendem os produtos também pelo site.
Sopa de Pedrinhas
Instagram: ceciliamarvulli
(35) 99157-4359 (Cecília)
Rua Cel. Ferraz, 136, Centro, São Lourenço
Unique Cafés
Instagram: uniquecafes
(35) 3334-1661
Calçadão de São Lourenço
Rua Virgílio Alves Pereira 62, Carmo de Minas
Carmo de Minas Café
www.cafecarmodeminas.com.br/
(35) 3334-1611
Rua Ver. Álvaro Coli, 41, Carmo de Minas
Curiango Venda e Cozinha/Rafa da Bocaina
Silveiras (SP)
Receber é uma arte. Nem sempre é fácil deixar a visita à vontade, às vezes o papo não flui ou justamente naquele dia a receita especial dá errado. Meu pai dizia, quando eu era criança, que era só ter visita em casa para o pudim da minha mãe, sempre delicioso, não ficar bom. Imagina, então, receber em casa desconhecidos? E, se for assim, de repente, sem nem esperar? Chances cada vez menores de ser uma boa experiência para os de casa e para os de fora também. Pois é, mas tem gente que é craque, tão craque em receber que está sempre pronto para o novo e faz qualquer um se sentir em casa. Foi assim que nos sentimos ao conhecer o Rafa da Bocaina e a Talita, casal de produtores supersimpático lá da Bocaina. Chegamos à casa deles assim quase que de paraquedas. O destino do dia era Cunha (RJ) e resolvemos, no meio da estrada, desviar o caminho para Silveiras. Tínhamos ouvido falar num outro produtor de azeites local, mas ninguém sabia nome, telefone, nada (depois consegui achar o azeite à venda numa loja da cidade. É o Olivais da Bocaina, produzido também em Silveiras). No acostamento, decidindo o que faríamos então, encontro no Instagram o perfil do Curiango Venda e Cozinha, projeto do Rafa e da Talita sobre produtos artesanais. Quando vi que faziam conservas e vinagres, sem pestanejar, liguei para saber se podíamos ir lá. E, assim, sem estar preparados para isso, eles abriram sua casa para nós, nos presentearam com um café recém-coado e o melhor bolo de fubá que já comi na vida, além de um papo delicioso sobre política, história e, claro, comida.
O Rafa é cozinheiro de longa data, estudou fora, teve programa na TV, passou por restaurantes renomados. Em 2013, porém, resolveu trocar a cidade pelo campo e voltou ao Vale do Paraíba, sua terra de origem. Desde então ele, a esposa e a filha vivem na fazenda da família em Silveiras, interior de São Paulo. São agricultores, criadores de animais a pasto e produtores de um sem-fim de coisas, tudo do jeito mais artesanal e tradicional possível: pães, doces, queijos, geleias, vinagres, conservas, embutidos. O projeto dele vai além da cozinha e de venda: procura resgatar a identidade local a partir da culinária. Assim, criam soltos porcos carunchos, raça crioula típica da região e que estava desaparecendo. Ajudam ainda a recuperar o cultivo e a divulgar o milho vermelho da Bocaina, matéria-prima para aquele bolo de fubá inesquecível que provamos lá. A receita é de família e levou também um pouco de amburana. A ousadia de misturar madeiras nacionais com comida é outro projeto que o Rafa toca com os especialistas em cachaça Isadora Fornari e Mauricio Maia. Além disso, ele fermenta um monte: conserva de minichuchu, conservas de pimenta, kombucha, vinagres de banana, caqui e capim-limão, embutidos de porco. Até ganhei uma mãe de vinagre de banana e já fiz o meu primeiro lote aqui. Agora, o Léo gostou mesmo foi do doce de leite caseiro, receita que a Talita resgatou da avó. Enfim, afeto, comida e cultura fazem parte do mesmo prato lá na casa deles.
Instagram: curiangovc
https://www.facebook.com/curiangovc/
https://www.facebook.com/rafael.f.cardoso
(12) 99789-6494
Restaurante do Ocílio
Silveiras (SP)
Outro projeto de valorização da culinária do Vale do Paraíba é o Restaurante do Ocílio. Ocílio Ferraz foi escritor, cozinheiro, historiador, pesquisador, mas, sobretudo, um incansável defensor da cultura do Vale. Fazia isso, principalmente, pela propagação da cozinha tropeira. No restaurante, em Silveiras, ele servia pratos típicos, como arroz com urucum, feijão tropeiro e, o mais famoso de todos, a farofa de içá, formiga alada que, em certas épocas do ano,”cai” das árvores da região. Com a morte de Ocílio, o restaurante agora é gerenciado pelo Mateus. O almoço é servido no fogão à lenha e é bem farto. Não podíamos deixar de provar a tal farofa de içá. Confesso que, quando o prato chegou, fiquei com uma certa agonia. Mas, vencida a resistência inicial, achei bem gostoso. A formiga fica crocante e é bem temperada com alho e sal. Eles costumam fazer na banha de porco, mas pedi a minha com azeite e eles toparam sem problemas. Gostamos tanto que trouxemos uma porção das içás para fazer a farofa em casa. No restaurante também vendem produtos reginais, como mel, café, melado, cachaça, cerveja artesanal.
Instagram: restaurantedoocilio
Estrada dos Tropeiros s/n, Silveiras
(12) 3106-1103
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