Assim como o arroz nasceu para o feijão, o tomate para o manjericão e o angu para o quiabo, na cozinha tropical o coco faz par perfeito com a pimenta. Aliás, o coco é par perfeito para tanta coisa que é, de longe, meu curinga na cozinha, como já disse aqui antes. Os mineiros já sabem que abóbora com coco é um clássico (por lá, tudo termina em doce, mas purê ou sopa de abóbora com coco é também uma delícia), o Norte e o Nordeste brasileiros, a Índia, o Caribe e o Sudeste Asiático inteirinho amam peixe com coco, sem falar nas opções doces ou salgadas de arroz com leite de coco com diferentes sotaques: brasileiro (com canela), tailandês (o khao neeo mamuang, com manga), malásio (o nasi lemak, café da manhã típico, servido com ovo cozido, pepino, anchovas, amendoim e molho de pimenta) ou cingalês (o kiribath, café da manhã tradiconal do Ano-Novo). É tanta gostosura que poderia fazer uma lista gigante.
Se a gente parar para pensar bem, a combinação de coco com pimenta faz todo o sentido. O encontro do ardido de um com a doçura e a cremosidade do outro tem um balanço perfeito. É que o óleo natural do coco ajuda muito a amenizar a ardência da pimenta. Aqui em casa, eu vivo deixando uma pimenta inteira no meio dos legumes que levo para assar ou em caldos. O problema é que o Léo sempre come a pimenta inteira sem querer, e as pimentas aqui de casa são ardidas! Então, dá-lhe coco ou leite de coco para amenizar o fogo! Beber água é a pior coisa que a gente pode fazer nessas horas, só ajuda a espalhar ainda mais a pimenta pela língua. É que a capsaicina, a substância contida na placenta e nas sementes e responsável pelo ardor, não se dilui em água. Ela se dilui, porém, em gordura. Por isso, o coco ou o leite de coco funcionam, assim como leite de vaca ou iogurte. Pode reparar: a comida indiana, que é bem picante, sempre tem um molho à base de iogurte ou um prato com leite de coco justamente para equilibrar os sabores e ajudar a amenizar a picância.
Sambal é um tipo de molho apimentado tradicional de países do Sudeste Asiático, principalmente, da Indonésia e da Malásia (e, por tabela, de Cingapura). Há centenas de variações, mas a base de tudo é socar, no pilão, pimentas e outros ingredientes, como alho, gengibre, cebola, sucos de frutas ácidas, como limão ou tamarindo, um pouco de sal, açúcar. Também podem entrar outros condimentos, como pasta de peixe ou de camarão fermentado, muito comum por lá, ou frutas, como manga, abacaxi e, claro, coco! Há centenas de variações, uma melhor que a outra. Amo tanto que vou postar algumas receitas aqui no blog, dentro da série que comecei sobre como a pimenta é explorada nas cozinhas tropicais mundo afora. A primeira parada foi em Martinica, no Caribe, com um molho delicado e delicioso, que usa como base purê de tomates.
Agora vamos para o outro lado do mundo com este sambal de coco. O sabor do molho é uma surpresa tão boa quanto quando você chega à Malásia. A culinária deles é tão complexa, tão gostosa, uma mistura de influências indiana, chinesa, árabe, indonésia, tailandesa e até portuguesa, além da culinária das várias etnias locais. Não que todos esses sabores estejam presentes ao mesmo tempo nas panelas, eles se revelam, aos poucos, em diferentes pratos. Às vezes, misturam ingredientes locais com técnicas chinesas, como os refogados em wok. Ou pratos indianos, como o curry, com o sabor bem local do belacan, a pasta de camarão fermentado. Tem também toda a profusão de pratos à base de macarrão, herança chinesa, mas como molhos que combinam a picância das pimenas, com a acidez, geralmente, do tamarindo, o salgado do belacan, uma pitada de açúcar, tudo isso misturado num delicioso leite de coco. É muito sabor até para explicar!
Vários desses pratos, e em todas as refeições, são acompanhados de algum tipo de sambal, como o nasi lemak, aquele arroz cozido no leite de coco e acompanhado de ovo, pepino, anchovas e amendoim. É um prato que vale pelo nosso pão com manteiga no café da manhã, tão comum que comi um nasi lemak, por exemplo, no café da manhã durante um voo. Além de combinar muito com arroz, sambals vão bem com noodles, ovos, sopas, carnes, peixes, curries, ensopados. Como podem ter várias texturas — de uma pasta bem lisa e consistente, como um purê, a uma mais pedaçuda —, às vezes são acompanhamento, às vezes entram como base de um prato, por exemplo, em curries.
A textura deste sambal de coco é bem diferente. É mais sequinha, tanto que meu pai a apelidou de “farofa indonésia” — e, claro, eu achei a definição ótima, mesmo com a nacionalidade trocada. É bem isso: o coco ralado bem fininho traz uma textura de farofa e, com a pimenta, uma picância boa, na medida, não demasiada. Ainda tem o frescor da hortelã, bem de leve. E, para completar a complexidade dos sabores da Malásia, tem um pouco de coco tostado.
O método tradicional de fazer o coco tostado, chamado de kerisik, é bem simples: basta tostar o coco ralado fino na frigideira seca por uns minutinhos, com o fogo bem baixo para não queimar, e depois socar no pilão. Com a pressão, o coco vai soltando o óleo e vai virando uma pasta. É muito gostoso! Vai por mim, não desista de fazer esta receita por causa do coco tostado. A quantidade é pequena, então, leva dez minutinhos só para tostar e socar o coco e faz tooooda a diferença.
E esse vai ser todo o trabalho da receita, já que este sambal não é pastoso, então nem precisa socar os outros ingredientes. Basta misturar e ter um novo “molho” de pimenta delicioso para comer com o nosso arroz do dia a dia, com moquecas, com curries, com verduras refogadas, com peixes e frutos do mar.
O que me encanta nesta série que estamos fazendo sobre pimentas é que a gente vai aprendendo como, às vezes, só uma textura diferente, o coco ralado, em vez de leite de coco, já muda completamente o resultado, os sabores, a experiência. E essa é a graça de a gente olhar para outras cozinhas, entender como eles usam ingredientes que são tão comuns para a gente também e, de repente, dar uma outra cara para algo que está sempre na nossa mesa, como a pimenta. Este sambal é isto: a possibilidade do novo, de um “molho” de pimenta que não tem textura de molho como estamos acostumados. E com um sabor único.
- 100 g de coco ralado fininho + 2 colheres (sopa) para tostar
- 2 pimentas dedo-de-moça sem sementes picadinhas
- ½ cebola roxa pequena cortada em cubinhos
- folhas de 3 ramos de hortelã bem picadinhas
- 1 colher (sopa) de limão
- sal
- Aqueça uma frigideira antiaderente pequena e coloque as 2 colheres (sopa) de coco ralado. Mantenha o fogo baixo e vá mexendo sempre até o coco ficar bem tostado, mas sem queimar.
- Em seguida, passe o coco tostado para um pilão (melhor de pedra, mas pode ser de madeira) e soque até o coco soltar o óleo e virar uma pasta homogênea. Reserve,
- Soque também no pilão a cebola cortadinha até virar uma pasta.
- Numa tigela média, misture o coco ralado fresco, uma colher (sopa) da pasta de coco tostado, as pimentas picadinhas, a pasta da cebola, as folhas de hortelã. Misture e tempere com sal e limão. Prove e ajuste os sabores: pimenta, sal, limão. Eu gosto de acrescentar, geralmente, mais um pouco de limão.
- Sirva em seguida ou armazene na geladeira, Se quiser consumir apenas na hora, pode fazer meia receita.
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