Se tem algo de que gosto quando vou experimentar um prato novo é o fator surpresa. Começo observando as cores, sentindo os aromas, degustando o prato primeiro com a mente e o meu repertório de sabores, imaginando se é mais doce ou salgado, se tem boa acidez, se tem algum sabor do qual gosto muito ou não. Evoco minhas memórias gustativas e construo, antes mesmo de provar, um “ideal”, uma projeção de como deve ser aquele prato. A boca enche d’água imaginando algo, mas, de vez em quando, tcharan, não é nada daquilo que esperava! Claro, as surpresas podem ser frustrantes. Não me esqueço de uma experiência ruim dessas que tive há mais de uma década. Numa festa no trabalho, mordi um docinho preto com aquela boca de que era um brigadeiro delicioso. Mas surpresa: era doce japonês de feijão! Tão decepcionante, na época eu não conhecia bem a culinária japonesa e docinho marrom enrolado só podia ser brigadeiro, que não consegui nem comer o restante. Na verdade, deve ter sido traumatizante, porque até hoje não provei de novo com a boca já preparada para o doce de feijão, que, até imagino, vou gostar.
Apesar de traumas assim, gosto de ser surpreendida quando provo algo novo. Em geral, o sabor da novidade supera o da expectativa. Uma das comidas que mais me surpreenderam foi uma sopa tradicional da Tailândia, o tom yum. Na verdade é o que a gente chamaria de caldo. Um caldo aparentemente simples, que pode ser vegetariano, de camarões ou de frango. Na primeira vez que tomei, não podia nem imaginar os sabores todos que aquele caldo trazia. É picante, mas tem frescor, é bem azedinho e tem equilíbrio de sal e de dulçor, tem umami, tem muito, muito sabor. Tanto que até hoje é das minhas sopas preferidas e uma das que mais faço aqui em casa. Estes dias me surpreendi com um curry de cajá-manga verde. Fiz a receita, típica do Sri Lanka, sem nenhuma expectativa. Acharia que ficaria bom, mas nunca nem passaria pela minha cabeça o que sairia daquela combinação de sabores. A mistura das especiarias — canela, cúrcuma, cardamomo, pimenta, folhas de pitanga (no luga da de curry), sementes de mostarda, de coentro, de cominho, de erva-doce —, o azedinho do cajá-manga e toda a doçura e a cremosidade do leite de coco se combinam de uma forma tão, tão deliciosa e única que eu comi de olhos fechados cada garfada para não perder nadinha daqueles sabores.
Esta receita de molho de beterraba com mirtilos e vinagre foi também uma das últimas surpresas boas para o meu paladar. Beterraba com mirtilos e vinagre pode parecer bem estranho, à primeira vista, mas dá um samba bom. O dulçor da beterraba e o do mel se equilibram bem com a acidez do mirtilo e do vinagre. Aliás, o vinagre aqui é protagonista, apesar de a gente não dar muita bola para esse ingrediente no dia a dia. Na culinária, a acidez é fundamental, ela estimula a salivação, o que ajuda a limpar o paladar e a melhorar a nossa percepção dos sabores. O importante é usar um bom vinagre, artesanal ou até caseiro, de preferência. Para esta receita, pode ser um balsâmico branco, um vinagre de frutas — caqui, maçã, framboesa, jabuticaba — ou até mesmo de beterraba (a Cia dos Fermentados faz alguns vinagres artesanais deliciosos e ensina também quem quiser fazer em casa). Além de surpreendentemente gostosa, a combinação desses ingredientes é linda demais.
Gosto também da textura do molho: a beterraba é batida no liquidificador com o vinagre e os temperos; já os mirtilos entram na finalização, levemente amassados, dando textura e aquele fator surpresa também, já que, numa olhada rápida, a gente não consegue identificar bem o que é. Geralmente faço com mirtilo ou com amoras, que são mais fáceis de encontrar, mas esse molho fica bom também com framboesa, que traz a mesma ideia de cor e sabor. Adoro esse molho, que, além de nada óbvio, combina bem demais com saladas (acompanhadas, por exemplo, de castanhas ou nozes) e com vegetais assados. Uma surpresa das boas, garanto, para o nosso paladar!
- ½ beterraba
- ½ cebola roxa pequena cortada grosseiramente
- ½ xícara de vinagre de boa qualidade
- 1 colher (sopa) rasa de mel
- sal
- pimenta-do-reino moída na hora
- ½ xícara de mirtilos frescos (pode ser amora ou framboesa também)
- Numa panela pequena, cozinhe a beterraba, sem casca, até ela ficar macia. Escorra a água e pique a beterraba grosseiramente.
- No liquidificador, bata a beterraba, a cebola, o vinagre, o mel e o sal.
- Bata bem até ficar homogêneo.
- Amasse os mirtilos levemente com um garfo.
- Passe o molho para uma tigela e misture os mirtilos amassados e tempere com um pouco de pimenta-do-reino.
- Sirva em seguida ou conserve na geladeira por até 4 dias.
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