Tem comida que sempre vem associada com uma emoção, sensação ou lembrança. Às vezes, é tão forte que é como se um sabor despertasse algo quase físico em mim. Fubá, por exemplo, me lembra casa, Minas, calor de família; imediatamente me sinto dentro de um abraço e meu coração se acalma. Coco me leva para um dia ensolarado, pé na areia, brisa do mar, energia pura. Curries já me dão uma sensação de aconchego, de estômago satisfeito, um calorzinho interno (será que é por causa das especiarias?), me sinto mais comigo mesma. Mas tem uma erva que me dá vontade é de sair dançando por aí.
Toda vez que eu penso em jambu, não tem jeito, uma alegria toma conta de mim. Que erva mais danada! É como se o tremelique que ela dá na boca se espalhasse pelo corpo inteiro. Deve ser uma associação imediata que minha mente já faz com o hit mais delicioso do carimbó de dona Onete: “E o jambu treme, treme, treme (…) O tremor vai descendo, vai descendo, vai descendo (…) vem subindo, vem subindo, vem subindo (…) chega até o céu da boca, a boca fica muito louca, muito louca”. Não tem como mesmo ouvir Jamburana e não sentir esse pulsar dentro da gente. Eu definitivamente adoro jambu, dona Onete e o Pará: sabores, ritmos, cheiros nada óbvios.
Não sei por que demorei tanto tempo a ir ao Pará. Eu tinha certeza que ia adorar de cara o tempero do povo, do clima e, claro, da comida. Foi só ano passado que visitei Belém e Alter do Chão pela primeira vez. Mas mesmo antes de ir lá provar tacacá, cacau selvagem, açaí com farinha e filhote na brasa, já tinha um canteiro em casa de jambu, a erva mais característica do estado. Eu nem sei bem como é que ela chegou aqui, acho que foi o seu Pedro, meu jardineiro, que me trouxe uma mudinha, ela foi se apegando ao meu quintal e, quando vi, um canteiro inteirinho era puro jambu.
Jambu, aqui no Centro-Sul do país, é uma planta alimentícia não convencional (panc), dessas que muita gente nem conhece e não se acha para comprar no mercado. Uma pena! Espécie da Amazônia, é muito tradicional no Pará e faz parte dos pratos mais simbólicos da terra, como o tacacá e o pato no tucupi. Fora de lá, talvez ela seja mais conhecida pelo seu efeito anestésico, principalmente das flores, mas também presente nas folhas e no caule. A sensação é de uma dormência na língua, um tremelique que toma conta, como diz dona Onete, do céu da boca e deixa a boca muito louca! O responsável por essa sensação é o espilantol, uma substância que também estimula a salivação e o apetite e tem sido estudada por pesquisadores para aplicação na indústria farmacêutica e cosmética. O óleo essencial dele é rico em propriedades antioxidantes, diuréticas e anti-inflamatórias. Conhecimento que os povos tradicionais, de uma forma ou de outra, já tinham, ao considerar o jambu também uma erva medicinal, usada, por exemplo, para dor de dente e infecções na boca e na garganta.
Outras áreas tropicais na África e na Ásia também usam o jambu, por lá conhecido como toothache plant (planta da dor de dente) ou Szechuan buttons, em referência à pimenta-de-Sichuan, que, apesar de ser de outra espécie, também tem efeito analgésico na boca. Lá fora, o uso medicinal parece ser maior que o culinário. Na Índia, usam muito contra dores de dente e garganta e para aromatizar o tabaco mascável; na Indonésia, para dor de estômago e como estimulante. Na cozinha, os indianos fazem um molho de jambu com tomates tostados, cominho, semente de coentro e pimenta que me parece delicioso e vou testar qualquer dia desses aqui. Mais recentemente ele tem sido descoberto pelos chefs de cozinha mundo afora, que o usam em drinks, sobremesas e para dar um efeito surpresa na comida com a dormência do jambu.
Os paraenses, porém, é que sabem das coisas e já faz tempo! Os pratos mais icônicos da cultura paraense levam jambu. Além do tacacá e do pato no tucupi, tem jambu também no arroz paraense e na caldeirada. As folhas e o caule do jambu são aferventados (pois o caule é fibroso e precisa amaciar) e usados como verdura, que podem acompanhar, por exemplo, o vatapá e o caruru. As folhas ficam deliciosas também na moqueca. As flores, que por lá são vendidas já separadas das folhas, viram conservas e aromatizam cachaça. Eu gosto de usar também como se fosse uma erva aromática. Faço um bolinho de mandioca com jambu que é divino. É só escaldar o jambu e, em seguida, refogar talo, folhas e flores no azeite com um pouco de cebola. Depois basta juntar o refogado com a mandioca já cozida, temperar, fazer o bolinhos e fritar ou assar. Confesso que esse é o tipo de fritura que vale a pena, mas, como aqui em casa não faço fritura, assado também fica bom demais. Especialmente para comer junto com o molho de jambu com pimenta.
Foi para aproveitar a abundância do jambu e das pimentas do quintal que cheguei a essa receita. Ela me traz a alegria toda do Pará, com seus sabores marcantes. Foi inspirada em um molho que a própria dona Onete faz, porém ela usa pimenta-de-cheiro, bem comum por lá também. Como eu gosto de um pouco de quentura, uso as pimentas do quintal, mas pode ser dedo-de-moça ou a de cheiro, se quiser maneirar na picância. É um molho à base de azeite, bem gostoso, e pode facilmente virar um pesto, como o de taioba com baru. Nesse caso, para ficar tudo em casa, eu usaria a castanha-do-pará com o jambu e, se quiser, a pimenta.
Para destacar a sensação de dormência tão característica do jambu, é bom usar uma boa quantidade das flores, que concentram mais o espilantol do que as folhas. E aí vai tudo para o liquidificador ou o mixer, não precisa nem aferventar, com azeite, alho e pimenta. Se quiser, pode temperar também com um pouquinho de limão ou semente de coentro. Como o molho dura bastante na geladeira, sempre tenho um vidro pronto, até porque combina com tudo: moqueca, curry, saladas, bolinho de mandioca, peixe, frutos do mar e vegetais assados, como abóbora, cará e inhame. É certeza de alegria à mesa.
- ½ xícara de folhas e flores de jambu, sendo, pelo menos, um bom punhado de flores
- 3 pimentas dedo-de-moça sem sementes e picadas
- 1 dente de alho picado
- ¾ de xícara de azeite extravirgem
- 1 colher (chá) rasa de sal
- Lave o jambu e destaque as folhas e as flores. Guarde os talos para outro preparo.
- No liquidificador ou no mixer, junte todos os ingredientes e bata bem até o molho ficar homegêneo.
- Prove e ajuste o tempero.
- Guarde num pote de vidro na geladeira.
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