O ano virou, comemos muita manga, choveu dias sem parar, passou o Carnaval, as goiabas caíram, o sol entrou em Áries, o frio do outono já está quase aí. Caminhamos metade de um semestre e só agora sinto que realmente 2022 começou por aqui – e nada tem a ver com procrastinação de início de ano.
Nos mudamos em janeiro e levou dois longos meses para que a casa, a vida e o quintal novos entrassem em sintonia. Doeu, confesso, deixar para trás minha horta, as frutíferas e todo um jardim já formado que cultivei por 5 anos. É como se, em pleno verão, o inverno habitasse em mim. Eu não tinha dimensionado a falta que me faria a rotina de colocar as mãos na terra, catar os limões no chão ou até mesmo as lagartas na capuchinha e, claro, me esquecer pelos canteiros, colhendo ervas e verduras. Cultivar faz parte de mim e esse pedacinho ficou adormecido por um tempo.
A sorte é que conseguimos uma casa nova com um quintal enorme, riacho no fundo e algumas frutíferas. Temos jaca, romã, manga, goiaba, acerola, pitanga, graviola, banana, mexerica, carambola e até jabuticaba. E tem também uma área verde generosa para receber a nova horta, que, já, já vai começar. Há um mês voltei a semear, reformei todos os vasos que trouxe comigo, adubei as plantas que também sofreram com a mudança. Isso tudo já me trouxe um respiro à loucura que é colocar a carga de 7 caminhões de mudança no lugar! Nesse meio tempo, também nos alegramos com uma dúzia de graviolas doces, frutadas e azedinhas, que viraram aquele creme com coco que acompanha tão bem o bolo-brownie de cacau. Mas foi só neste fim de semana que me senti inteira de novo ao cumprir o ritual que tanto me faz bem: vestir o avental, apanhar a cesta e a tesoura e sair para o quintal para a primeira colheita oficial da casa!
Já temos hortelã se esparramando do vaso, taiobas sem fim, shissô, manjericão, alecrim, bastante pimenta-de-bode e biquinho. O pé de curry está lindo como nunca, o de limão-kaffir ganhou galhos e folhas novas de um perfume intenso e até o limão-cravo que plantei quando cheguei aqui já deu frutos. Mas o que está mesmo caindo aos montes são acerolas e nêsperas. Primeira vez que colho nêsperas, que muita gente conhece como ameixa ou ameixa amarela, e fiquei com vontade de cozinhar com essa frutinha chinesa que se adaptou bem nas terras tropicais e que tem a cara de quintal de vó. A primeira ideia foi fazer um curry. O aroma floral da nêspera combinaria bem com um curry apimentado de camarão à base de leite de coco. Depois, imaginei testá-la numa conserva indiana com pimentão e semente de coentro que geralmente faço com cajá-manga verde.
Fui para a cozinha e, ao olhar a cesta da colheita, vi um punhado generoso de folhas e flores de manjericão-canela. Quando o manjericão começa a florir, a planta, que antes estava produzindo folhas bem aromáticas, passa a se concentrar nas flores, para que atraiam os polinizadores e ela possa gerar sementes. Por um lado, as folhas ficam levemente menos aromáticas; por outro, as abelhas fazem a festa. Então, como tenho dois pés dele, corto as flores de um e deixo o outro para o banquete das abelhas. Por isso, tinha uma boa quantidade das flores do manjericão-canela e foi justamente o aroma delas ali na cesta que me despertou a ideia de juntar nêspera, hortelã e manjericão para fazer um pesto. E ficou tão, tão gostoso que vai virar uma daquelas receitas da casa que a gente repete sempre.
Para mim, o sabor da nêspera lembra uma mistura bem boa de ameixa e damasco, com um bom toque cítrico e aroma floral. Quando está madura, ainda fica bem doce. Queria que essa combinação boa de dulçor, acidez e floral se mantivesse presente no sabor final do pesto. Por isso, usei castanha-do-pará, que não tem sabor muito forte, e a combinação de hortelã, que realça o frescor, e folhas e flores de manjericão-canela, que combinam com a doçura da nêspera. Se não tiver manjericão-canela, pode usar o manjericão verde mais comum mesmo que também vai ficar ótimo.
Só um adendo: eu chamo esse tipo de molho de pesto porque leva ervas, azeite, alguma castanha e bato no pilão, mas não uso queijo, como é tradicional na Itália. Aliás, nesta receita um queijo seria forte demais e acabaria roubando a cena e a delicadeza da nêspera.
Eu prefiro, sempre que possível, fazer o pesto num pilão de pedra. Realmente faz diferença no sabor e na textura. Socar no pilão gera fricção e calor, o que ajuda a liberar os óleos essenciais das ervas e da castanha e também quebra melhor as moléculas de todos os ingredientes. O resultado é um sabor mais rico e encorpado. E fora que a gente consegue ainda ajustar melhor a textura de que gostamos mais: nesse, adorei deixar uns pedacinhos de nêspera mais aparentes. Se, porém, não tiver o pilão, tudo bem: pode bater no mixer ou no processador.
Comemos o pesto (de uma vez só de tão bom que ficou) com tortillas de mandioca e camarões com tamarindo, nêsperas e pimentas da casa. Como o pesto é bem fresco, combina com salada de folhas, vegetais crus, cozidos ou assados, camarão, peixes brancos. Acho que ficaria bom até numa tábua de queijos e frios. De qualquer forma, é um jeito delicioso de aproveitar bem a colheita e dar às nêsperas um lugar de destaque na mesa, muito além da geleia.
Pesto de nêspera
Ingredients
- 10 castanhas-do-pará
- 1/3 de xícara de folhas e flores de manjericão-canela ou de folhas de manjericão verde
- 1/3 de xícara de folhas de hortelã
- 15 nêsperas sem casca e sem sementes e cortadas em quatro
- 1/3 de xícara de azeite extravirgem
- 1 colher (café) de sal
- flor de sal para salpicar por cima (opcional)
Instructions
- Num pilão médio, coloque uma parte das castanhas-do-pará e uma pitada de sal. Soque, com movimentos circulares e laterais, levando as castanhas para deslizar pelas paredes do pilão, em vez de apenas socar de cima para baixo. Isso evita que elas pulem para fora do pilão.
- Quando as castanhas já estiverem bem quebradas, junte um punhado das ervas (a hortelã, as folhas e, se estiver usando, as flores de manjericão). Faça o mesmo movimento com o socador, para que as ervas se incorporem à castanha, gerando uma pasta.
- Acrescente mais um punhado das castanhas, soque novamente. Repita o processo, com o restante das ervas.
- Adicione as nêsperas e soque-as para que se incorporem ao pesto. Se quiser, pode deixar alguns pedaços mais aparentes.
- Junte o azeite, misture bem, tempere com sal. Prove e ajuste o tempero.
- Para finalizar, gosto de salpicar um pouco de flor de sal, mas é totalmente opcional.
- Consuma em seguida ou guarde na geladeira num pote bem fechado.
Notes
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