Tenho a sorte de ter liberdade para cozinhar o que bem entender aqui em casa. Ou, em vez de sorte, seja uma conquista. Posso resolver que o almoço vai ser quinoa com avocado ou curry de jaca verde ou panqueca de inhame com coco. E tudo bem. Meu marido, o Léo, é bom de garfo, gosta de provar novidades à mesa e tem, nos últimos anos, desenvolvido um paladar muito mais, digamos, interessante. E eu acredito mesmo que a gente desenvolve o paladar e isso pode ser em qualquer idade.
Foi assim, por exemplo, com o Léo. Há alguns anos, se eu perguntasse a ele o que queria para o almoço, as chances de ouvir purê de batata ou couve-flor no vapor eram grandes. Não que ele comesse só isso, mas elas eram (e talvez ainda sejam) as comidas afetivas dele. Então, virava e mexia, ele pedia para eu fazê-las. Nada contra couve-flor ou purê de batata (tudo bem, tudo bem, já confessei por aqui que tenho uma birra com esse prato e faço a versão tradicional dele bem pouco), mas ficar limitado a só algumas verduras é uma prisão para quem gosta de cozinhar. Pior ainda era ouvir que a couve-flor preferida era só no vapor, sem mais nada, nem um temperinho sequer. Logo eu, que adoro ervas e especiarias, não merecia cozinhar tudo sempre com a mesma cara, né?
E não é que hoje ele já até me surpreende?! Quando meu estoque de imaginação para cozinhar está baixo, adoro deixar para o Léo a decisão sobre o que vamos comer (homens são muito práticos). Outro dia o diálogo num sábado à noite foi assim:
— Léo, o que você quer para o jantar?
— Tofu com chucrute.
— Mas não tem tofu.
— De novo?
O “de novo” é porque dias antes ele saiu só para comprar tofu para o sukiyaki que comeríamos no jantar. Confesso que até eu fico abismada às vezes com o repertório culinário dele. Ponto para ele, que aprendeu a apreciar um monte de sabores novos, e para mim, que conquistei a liberdade na cozinha.
Entre uma couve-flor no vapor e um curry de vegetais com sementes de coentro, mostarda e cardamomo, o Léo foi se acostumando também com temperos diferentes. Hoje já até consegue identificá-los na comida. O que, de vez em quando, vou ser sincera, não é tão vantajoso assim. Já não consigo mais disfarçar, por exemplo, quando coloco cominho na comida, uma das únicas especiarias que ele tem restrição. E mesmo que eu misture cominho com outros sabores (com erva-doce e canela fica incrível), já sei que vou ouvir: “Fê, tem incenso na batata-doce, né?”. Sei lá por que, ele acha que cominho tem cheiro e sabor de incenso. Eu acho graça; ele come mesmo assim. Mas, como sei que prefere sem cominho, não abuso tanto.
E não é que o Léo tem alguma razão? O Dicionário de Sabores (editora Casa da Palavra), que adoro consultar para descobrir combinações inusitadas, descreve o cheiro de cominho como “a nota no curry em pó que lembra o interior de um guarda-roupa velho”. Nada atraente, digamos. Bom, melhor ele nem saber disso! Por sorte, como diz o livro, o cominho se transforma quando cozido.
E, para a minha felicidade, já que adoro a especiaria, percebi que usar o cominho em grãos, levemente macerado, traz resultados bem diferentes do que o em pó, que já vem moído. O sabor é mais suave, tem algo de cítrico e nada de cheiro de mofo. Fica bom demais também dar uma tostada nos grãos, em uma frigideira grossa, antes de socar. Pronto! Achei minha forma de colocar cominho na comida sem ser “pega” pelo paladar (ou olfato) do marido. Até hoje foi um sucesso! Ele não acusou nenhuma vez o “incenso” na comida!
Com mais essa liberdade conquistada, estou adorando experimentar as combinações clássicas de cominho e verduras. Vai bem com repolho, batata, feijão. Eu adoro com couve-flor e beterraba assadas e até inhame. Esta semana resolvi experimentar com cenouras e ficou ótimo também. Aproveitei que outro dia encontrei, numa dessas mercearias-perdição — onde você entra para comprar um pacote de arroz thai e sai com o carrinho lotado, no meu caso, de ervas frescas, pimentas e especiarias — kummel, um primo do cominho. As sementes são bem parecidas e o sabor é uma mistura de erva-doce com cominho, bem gostoso. Dizem que o kummel, também conhecido como alcarávia, é uma das especiarias mais antigas ainda em uso na Europa, muito difundida na culinária alemã. Aliás, adoro usar kummel no chucrute.
Pois que aproveitei a oportunidade e resolvi juntar cominho e kummel (e da próxima vez, quem sabe também erva-doce) e fazer um purê de cenoura típico da Argélia. A receita é bem simples, gostosa, leva poucos ingredientes. E, bônus, suja só uma panela e um mixer. Ótima para variar os sabores no dia a dia e também para jantares mais caprichados. Mesmo quem não curte muito cominho vale a pena experimentar. A combinação de sabores da cenoura, com as especiarias e com o limão é deliciosa. A prova disso é que o Léo adorou o purê e ficou intrigado, tentando adivinhar que tempero era aquele que ele gostara tanto. Eu, que não sou boba nem nada, dei o crédito todo para o limão (que, sim, faz a diferença), mas mal sabe ele que o cominho e o kummel estavam ali, nos bastidores, deixando um gostinho bom, sem avocarem para si o protagonismo do prato.
- 8 cenouras médias (cerca de 600 g)
- 2 dentes de alho
- 1 cebola pequena em cubinhos
- ½ colher (chá) de cominho em grãos
- ½ colher (chá) de kummel em grãos — se não tiver, pode experimentar com erva-doce
- 1 colher (sopa) de azeite
- raspas de 1 limão-siciliano e de 1 limão-taiti (opcional)
- 1 colher (sobremesa) de caldo de limão-siciliano
- sal a gosto
- Se preferir, descasque as cenouras. Eu uso com casca.
- Corte as cenouras em rodelas de 1 cm.
- Com as costas de uma faca, amasse os dentes de alho e retire a casca.
- Ponha uma panela média com água até a metade para ferver.
- Quando ferver, acrescente 1 colher (sobremesa) de sal e acrescente as cenouras e os dentes de alho.
- Cozinhe até que elas fiquem macias.
- Enquanto isso, num pilão, soque as sementes de cominho e de kummel.
- Escorra as cenouras e o alho e reserve.
- Leve a mesma panela ao fogo (seque bem antes) com 1 colher (sobremesa) de azeite.
- Refogue a cebola até ficar macia. Acrescente sal.
- Junte as sementes de cominho e de kummel e misture bem.
- Deixe cozinhar por mais alguns minutos. Se precisar, pingue um pouquinho de água na panela para as cenouras não queimarem.
- Desligue o fogo e, com um mixer, amasse as cenouras, transformando-as em um purê.
- Adicione as raspas de limão (eu gosto de usar os dois tipos de limão, mas pode ser um só, se preferir) e o caldo de limão.
- Misture bem, prove e ajuste o sal e a acidez, se precisar.
- Sirva quente ou morno com ramas de cenoura ou folhas de coentro.
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