Posso dizer que andei meio mundo para descobrir esta receita. Na verdade, nem tanto a receita em si, mas principalmente o ingrediente. As ramas da batata-doce já estavam ali no meu quintal antes da viagem para a Malásia, mas, até então, elas eram apenas umas folhas tomando conta do meu canteiro. Eu estava interessada mesmo era nas batatas. E, na verdade, nem sonhava que as ramas eram comestíveis, muito menos, deliciosas. Já falei aqui que ando me perguntando sempre aonde está nosso olhar curioso, aquele olhar de criança que nos faz despertar para o novo. Esse olhar curioso se tornou essencial para mim na cozinha, meu portal para mundos ainda desconhecidos. E percebi logo que nem sempre o novo vai ser algo exótico, um ingrediente raro, caro, trazido do outro lado do mundo. O divertido mesmo é encontrar o novo ali no quintal ou na fruteira, apenas esperando um olhar mais criterioso, uma vontade de saborear o mundo de um jeito diferente.
As ramas da batata-doce me trouxeram esse despertar. Estávamos viajando pelo Sudeste Asiático, na meca da gastronomia da Malásia: Georgetown. A cidade é um sonho para quem gosta de sabores novos e já foi considerada como o melhor destino gastronômico do mundo (em 2014, pelo Lonely Planet). Primeiro porque a culinária da Malásia é uma fusão deliciosa entre, principalmente, a comida local dos malaios, a chinesa e a indiana, mas também a afgã, a paquistanesa e até a portuguesa. É só imaginar todas as combinações possíveis entre ingredientes e técnicas dessas culturas; uma verdadeira festa! Um dos exemplos dessa mistura toda é a cozinha nyonya, muito presente em Penang, onde fica Georgetown: ela traz ingredientes chineses preparados com as técnicas e as especiarias da Malásia e da Indonésia. Não há nada parecido!
Depois porque Georgetown, diferentemente de outras cidades da Malásia e até mesmo de Kuala Lumpur, ainda preserva muito viva a comida de rua. Acho que nenhum outro lugar do mundo (talvez Bangkok) tem tantas barraquinhas ou feiras de comida como lá. E tem de tudo: comidas tradicionais de todas as comunidades que formam essa cultura tão miscigenada quanto a nossa e também de países fronteiriços, como a Tailândia e a Indonésia. É uma perdição para quem tem um estômago só e quer provar de tudo! Eu amanhecia na barraca do Sri Lanka para comer appam, uma deliciosa panqueca fermentada de massa de arroz e leite de coco, que fica aerada e esponjosa no centro e crocante nas bordas. Pedia sempre duas ou três, uma simples, outra com ovo e comia com molho de pimenta, sentada nas mesinhas no meio da rua, junto com a comunidade local, que, claro, achava que eu era indiana. No almoço, ou estávamos fazendo curso de culinária ou imersão guiada na arte e na comida de ruas. E no jantar explorávamos mais os restaurantes ou as feiras da cidade.
Os restaurantes de lá são outro destino à parte. Amamos principalmente dois: um indiano vegetariano e um chinês bem tradicional e disputado, tão disputado que só conseguimos mesa na terceira vez que passamos por lá. Mas logo, logo que provamos o primeiro prato entendemos por que a casa, que abriu em 1965, fica sempre tão cheia. A comida é extremamente gostosa, uma culinária que respeita as tradições, tanto que a comunidade chinesa adora o restaurante, mas que traz também um pouco da influência malaia. E quando digo tradicional não tem nada a ver com os restaurantes chineses brasileiros: nada de rolinho primavera engordurado com molho doce nem arroz colorido ou chop suey de legumes, que era o que eu comia nos restaurantes chineses quando criança. A comida é fresca, variada, colorida, rica em sabores e texturas, simples, sem excessos; em resumo, boa demais. E foi lá que conheci e me apaixonei pelas ramas da batata-doce. Lembro que no cardápio dizia apenas folhas de batata com sambal (molho de pimenta) e camarões. Como adoro folhas verdes, pedimos para acompanhar os outros pratos, mas foi esse que mais me conquistou. Fiquei intrigada com aquela verdura tão macia, gostosa, feita de uma forma suculenta, com um caldinho delicioso do refogado com o molho de pimenta. Perguntei ao garçom de que tipo de batata eram aquelas folhas e ele não soube me responder. Mas eu não podia ir embora sem identificar aquele novo sabor: consegui falar com o dono, um velhinho chinês que mal falava inglês, mas que conseguiu me dizer que eram folhas de batata-doce. Fiquei maravilhada.
Dias depois, já no norte do Vietnã, numa comunidade bem pequena entre montanhas, vales e arrozais, há uns 10 quilômetros da fronteira com a China, comemos de novo as ramas de batata-doce, que agora eu já conseguia identificar. Desta vez, foi na casa de uma família da etnia Hmong. O Su, cozinheiro da casa, preparou um banquete para a gente, com direito a rolinho vietnamita frito recheado com verduras, noodles e cogumelos, feijão verde salteado e delicioso, tofu com tomates e um prato típico da minoria étnica deles, o momong, feito de milho vermelho socado até virar fubá, cozido no vapor, peneirado e então servido com um caldo claro de legumes. É muito reconfortante. Su fez as ramas de batata-doce de um jeito diferente e igualmente delicioso: refogadas com alho e um pouco de shoyu, um jeito bem tradicional de refogar folhas por lá. E é assim que eu adotei aqui em casa.
Refogados como esse de ramas de batata-doce fazem parte de todas as refeições lá no norte do Vietnã, que tem forte influência chinesa. Acompanha sempre arroz, um prato com ovos ou carne, brotos temperados também com shoyu e outros vegetais refogados. É uma receita muito simples, mais um jeito de fazer que uma receita propriamente dita. O mesmo preparo pode ser feito com outras folhas, como espinafre, bertalha, almeirão, acelga. É bem rápido, as folhas ficam com a textura macia, mas não molenga, ainda suculentas e o shoyu traz umami e um salgadinho bom. A única dica é usar um bom molho de soja, de preferência orgânico e, principalmente, que não tenha glutamato monossódico, corantes, espessantes e todos esses artifícios industriais. Um bom shoyu precisa apenas de soja, sal, arroz ou trigo. Aqui no Brasil já achamos marcas boas em casas de produtos orientais ou naturais.
Como o Su, gosto de usar uma wok grande para o refogado, mas pode ser qualquer frigideira. É basicamente esquentar bem a wok, dourar ligeiramente o alho no azeite (lá na Ásia eles usam óleo de soja, mas prefiro o de oliva), acrescentar as ramas de batata-doce já lavadas (eu gosto de usá-las um pouco úmidas), refogar um pouco, adicionar o shoyu, continuar sempre mexendo, temperar com sal (lá eles usam uma pitada de açúcar também) e, se quiser um pouco de caldo, juntar um pouco de água. É só isso. O ponto é importante, então, é bom ficar sempre mexendo e cuidar para que as ramas não percam a cor nem murchem demais. Os talos finos também são gostosos no refogado, não precisa nem destacar as folhas, eu uso tudo junto. Já os talos mais grossos, se quiser usar, melhor picar fininho e branquear antes, porque são mais fibrosos. Às vezes, junto um pouco de gengibre ralado ao alho ou uma pimenta picadinha, porque adoro.
O único porém desta receita é que ainda não encontramos ramas de batata-doce à venda com facilidade. Elas são um típico exemplo de plantas alimentícias não convencionais, as panc. São aqueles alimentos que não estão nos mercados, nas feiras, nos restaurantes, que muitas vezes negligenciamos e, infelizmente, nem identificamos como comestíveis. A boa notícia é que é muito fácil produzir as próprias ramas de batata-doce em casa, mesmo para quem mora em apartamento. Um vaso de cerca de 20 cm de diâmetro já é o suficiente. Basta dar uma olhada na fruteira e ver se tem alguma batata-doce, de qualquer tipo, brotando já. Se tiver, ótimo, é só cortar o topo, que vai ser plantado, e pode consumir o restante da batata. Se não tiver, corte o topo de uma batata-doce, na altura de uns três dedos, e coloque num copo ou numa tigela com a parte cortada voltada para baixo. Encha o recipiente com água até quase a metade da batata e deixe ali num cantinho da cozinha, com o cuidado de trocar a água a cada dia. Em alguns dias, dependendo do clima e da luminosidade, a batata vai começar a brotar. Quando os brotos estiverem com uns 10 cm, é só plantar no vaso, enterrando a batata, até deixar o topo dela levemente coberto por terra. Basta aguar sempre e deixar o vaso em um local com boa luminosidade que em pouco tempo as ramas vão crescer. Desse jeito, você vai ter sempre ramas para colher e comer. E se quiser produzir batatas-doces, já tem as ramas para plantar. Lá no meu perfil do Instagram tem um vídeo ensinando como plantar para produzir batatas e dicas de como ter batatas de qualidade.
Confie que é fácil produzir suas próprias ramas de batata-doce. Elas são bem versáteis também. Tudo o que se faz com espinafre, por exemplo, pode ser feito com as ramas: recheios de tortas, suflês, massas, sopas. E nada mais simples que este refogado. É aquele prato de folhas verdes bem comum na nossa mesa, mas com um ingrediente novo, que desperta o nosso olhar para o diferente e que pode se tornar uma deliciosa surpresa. Aqui em casa já virou parte do cardápio da família.
- ½ colher (sopa) de azeite
- 2 dentes de alho em fatias finas
- um prato fundo bem cheio de ramas de batata-doce com os cabinhos finos
- 1 colher (sopa) de shoyu
- uma pitada de sal
- uma pitada de açúcar mascavo (opcional)
- 1 a 2 colheres (sopa) de água ou caldo caseiro
- Esquente bem a wok ou a frigideira.
- Adicione o azeite e o alho, mexa bem. Quando o alho começar a soltar um cheirinho bom e dourar, acrescente as ramas de batata-doce.
- Mexa bem, tempere com o shoyu, o sal e, se for usar, o açúcar e continue mexendo sempre.
- Se quiser um pouco de caldo, acrescente água, refogue mais um pouco até as folhas estarem macias, mas ainda com o verde vivo.
- Sirva em seguida.
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