Há uns meses reencontrei uma paixão antiga. Daquelas que não sei por que se perderam ao longo do caminho, mas que não abandono mais nesta vida. A primeira vez que comi esta salada tailandesa de ovos fritos foi na virada de 2012 para 2013, Léo e eu estávamos pela primeira vez no Sudeste Asiático. Mais precisamente em algum lugar perto da impronunciável (e linda) Phang Nga, no sul da Tailândia. E foi uma surpresa total. A gente tinha passado um perrengue até chegar ali e a preocupação era em não perder o barco daquela tarde. Nem tínhamos, na verdade, expectativa em conseguir almoçar. Muito menos uma refeição que fosse tão memorável. Os tempos ainda eram outros, a gente não andava com o celular a tiracolo nem fotografava tanto comida como hoje. Pena que não tenho foto do prato.
Alguns registros, como esse, ficavam apenas nas histórias que guardamos no peito, flashes de cores, cheiros, sabores, barulhos, sensações, movimentos. Na minha cabeça tenho clara a cena de a gente sentando aliviado na mesa do restaurante, aquela sensação de “ufa, conseguimos chegar” e pedindo uma água para matar a sede depois de umas duas horas de estrada numa van lotada. E daí me lembro da garçonete, que não falava inglês e devia estar estranhando aqueles turistas desavisados ali, gesticulando e se esforçando para nos entender. Misturado a isso, me vem o barulho da TV ligada no noticiário local, junto da sensação do calor do corpo em contato com o plástico que cobria a mesa. De repente, a surpresa ao perceber que o cardápio não tinha tradução. Tenho uma mistura de microcenas assim na minha cabeça quando me recordo daquele momento.
Mesmo sabendo que não teria a fotografia do prato, teimei em achar algum registro, percorri meus arquivos no computador até encontrar a foto do restaurante. Simples, simples e nada turístico, como pode perceber. O banheiro era até mesmo no padrão oriental, com um buraco no chão em vez de vaso (e fica limpo!), algo incomum nos restaurantes das cidades mais movimentadas do país. Ali era como se fosse um restaurante de uma cidadezinha no interior do Brasil, sabe? Com aquela comida bem típica, caseira, maravilhosa.
Depois de uns dias pelas ilhas tailandesas de mar azul-esverdeado de tirar o fôlego, queríamos conhecer uma comunidade mulçumana de pescadores que vive numa ilha flutuante mais ou menos perto de Krabi. Na época, pelo menos, esse não era um destino tão comum. A baía de Phang Nga é até famosa pela ilha de James Bond, que apareceu num filme da série em 1974, mas não tanto pela comunidade de Koh Panyee. Ficamos alguns dias tentando conseguir um transporte entre a ilha de Koh Phi Phi e a baía de Phang Nga. Na véspera, quase desistindo desse trajeto, Léo e eu fomos assistir ao pôr do sol do alto de um monte em Koh Phi Phi e, para descer, pegamos por engano um caminho que passava no meio das casas. Eram umas ruelas tão apertadas que a gente conseguia enxergar dentro das casas e, numa das esquinas, vi uma moça trabalhando na varanda, com um catálogo de destinos turísticos. Não custava nada, perguntei a ela sobre Phang Nga (não se engane que foi fácil assim, tivemos de tentar a pronúncia uma dezena de vezes!) e ela, depois de uns telefonemas, disse que conseguia todo o transporte para nos deixar no nosso destino no dia seguinte. Sensacional!
Ela só não nos contou dos pormenores no meio do percurso. Pegamos um barco de manhã para deixar a ilha e em seguida entramos numa van, que minutos depois nos deixou numa espécie de rodoviária clandestina, fora da cidade. E só ali percebemos a enroscada em que estávamos. Não tínhamos acesso a telefone, wi-fi, nada, centenas de pessoas, debaixo do sol, esperando chamarem seu destino e um entra e sai danado de vans. Os funcionários não sabiam dar informações e, depois de mais de duas horas ali, começamos a ficar angustiados que perderíamos o barco para a baía de Phang Nga. Enfim, depois de muito sufoco, a van saiu lotada, a gente segurando mala no colo, ar-condicionado que não dava conta do calor, um casal de franceses tagarelas e inconformados ao meu lado e um motorista que cantava pneu em todas as curvas. Foi assim, com a adrenalina lá em cima, que chegamos ao singelo restaurante de Phang Nga, com sede, fome e aliviados!
E, claro, sem esperar muito daquele almoço. Não lembro como a gente conseguiu pedir a comida sem ter tradução no cardápio. Me recordo bem, porém, da surpresa quando provei a salada de ovos fritos pela primeira vez. É um prato bem caseiro, pouco comum de ser servido em restaurantes e visualmente não traduz toda a delícia que é. Sorte a nossa esse encontro tão casual! Nessa versão, eram cebolas, cenouras, salsão e muito coentro, junto daquele molho tailandês mais básico de todos e com um equilíbrio delicioso dos quatro sabores: ácido, salgado, doce e picante. O que me encanta nesse prato, e nas comidas asiáticas de uma forma geral, é como os ingredientes são bem pensados para ter harmonia não só de sabores, mas também de cores e texturas. Aqui a gente tem os ovos bem crocantes nas beiradas, eles gostam de fritá-los em óleo bem quente para as beiradas pipocarem e ficarem douradas e as gemas ainda cremosas, misturados com a textura das cenouras e cebolas cruas e todo o frescor das ervas.
Depois fui entender que essa é uma versão menos comum do prato. Geralmente ele é feito com tomates, cebolas, salsão, coentro e, às vezes, alface, todos crus, como numa salada mesmo. Minha versão favorita, porém, continua sendo a com cenoura e eu gosto de dar uma leve passada nela e na cebola na frigideira só para quebrar um pouco o sabor de cru. Bom, se eu fosse você, testaria as três versões para tirar suas conclusões!
O prato é bem simples de fazer, gosto de comer tanto no café da manhã quanto no almoço ou no jantar, acompanhado de arroz jasmim. Eu diria que ele tem dois segredos: o ponto dos ovos e o equilíbrio do molho. Para fritar os ovos, uso uma wok, mas pode ser uma frigideira comum, de preferência antiaderente, ou uma de ferro fundido já bem curtida. O mais importante é o óleo estar no ponto certo: quente, mas sem estar fumaçando. Para identificar isso, é simples: coloque um hashi de madeira com o lado mais grosso dentro do óleo e, quando começar a dar bolhas ao redor dele, está no ponto para começar a fritura. Essa mesma dica vale, por exemplo, para o tofu com tomates, uma receita vietnamita que também é sucesso por aqui.
Gosto de usar os ovos em temperatura ambiente e os quebro numa tigela antes de passar para a frigideira. Então, frito até as beiradas estarem douradas e crocantes, é rápido; depois, com cuidado e usando uma espátula larga, viro os ovos para fritarem também do outro lado, por pouco tempo (uns 40 segundos), já que a gema cremosa é o ideal nesse prato. Retiro os ovos e os deixo escorrer sobre papel toalha, antes de cortá-los em tamanhos de uma bocada.
Para o molho, a proporção dos ingredientes é importante, mas não exatamente fixa, segue o paladar de cada um. O fundamental é que você consiga perceber os quatro perfis de sabores: doce, ácido, picante e salgado. Para isso, gosto de fazer o molho aos poucos, provando e ajustando até chegar ao meu paladar ideal. A quantidade da receita é um guia, mas pode variar, por exemplo, se você usa um molho de peixe ou shoyu (se for fazer a versão vegetariana) mais ou menos salgado. Um bom molho de peixe, artesanal, feito apenas com anchovas, sal e tempo, faz tooooda a diferença aqui. Nos mercados orientais no Brasil, só encontramos a versão ultraprocessada do nam pla, o molho de peixe tailandês, e eu não recomendo pelo uso de corantes, glutamato monossódico e outros artifícios. Podemos usar no lugar um bom shoyu (de fermentação natural) ou um tamari, que é um tipo de molho de soja originalmente obtido como subproduto do missô e, portanto, sem trigo e glúten. O sabor dele é diferente, mais forte e profundo que o shoyu. Outra alternativa são os garuns recentemente produzidos pela Cia dos Fermentados. Garum é, de uma forma simples, o pai dos molhos de peixe asiáticos. É também um molho fermentado, muito usado na Roma Antiga, que pode ser feito de carne ou vísceras de peixes, crustáceos e moluscos. O sabor e a textura são mais concentrados, então, nesse molho vale usar uma parte de garum para mais ou menos três de shoyu ou tamari. Para quem puder comprar fora do Brasil, uma boa marca de molho de peixe é a vietnamita Red Boat, fácil de achar, por exemplo, nos Estados Unidos.
Com o molho pronto, é só misturar todos os ingredientes e servir, sempre com ervas frescas, como coentro e salsão ou, se preferir, salsinha. Geralmente, quando há outros pratos na refeição, calculo um ovo e meio por pessoa. Então, se são duas bocas para comer, uso três ovos; se são três, uso cinco. Quando faço de café da manhã, porém, aumento essa conta porque é tão, tão gostoso que mal consigo parar de comer. Se você também se apaixonar logo na primeira vez que provar, eu vou te entender!
Salada tailandesa de ovos fritos
Ingredients
- 5 ovos, de preferência, de galinhas felizes (em temperatura ambiente)
- 3 colheres (sopa) de óleo ou azeite para fritar
- 2 cenouras descascadas e cortadas em fios
- 1 cebola pequena cortada em meia-lua
- 1/2 xícara de folhas de coentro picadas
- 1/2 xícara de folhas de salsinha ou de salsão picadas
Molho
- 2 colheres (sopa) de molho de peixe ou de shoyu
- 3 colheres (sopa) de caldo de limão
- 1 colher (sopa) de açúcar de coco (ou de palma)
- 1 pimenta dedo-de-moça sem sementes e picadinha
Instructions
Para o molho
- Numa tigela, junte o molho de peixe ou o shoyu, o caldo de limão, o açúcar de coco e a pimenta picadinha. Misture bem e prove. Ajuste os sabores ao seu gosto se for preciso. Reserve.
Para os ovos
- Coloque o óleo em uma wok ou frigideira antiaderente e aqueça em fogo alto até o óleo estar quente, mas sem fumaçar. Para acertar o ponto, coloque um hashi de madeira com o lado mais grosso dentro do óleo. Assim que bolhas começarem a se formar ao redor do hashi, está no ponto.
- Quebre os ovos, um a um, numa tigela. Passe-os para a wok com cuidado. Eu sugiro fritar no máximo dois ovos por vez. A clara do ovo deve "chiar" e inchar em contato com o óleo quente. Reduza o fogo para médio.
- Jogue um pouco de óleo sobre as gemas. Quando as beiradas dos ovos estiverem douradas e crocantes, vire-os, com cuidado, para fritarem do outro lado. Para as gemas ficarem ainda cremosas, deixe por até 40 segundos e tire. Deixe os ovos escorrendo sobre papel-toalha enquanto prepara o restante da receita.
Monte a salada
- Escorra o óleo restante na wok e a esquente de novo. Coloque as cenouras cortadas em fios (use uma faca para cortar em tiras bem finas ou um descascador julienne) e as cebolas em meia-lua. Passe os vegetais na wok por cerca de 1 minuto e desligue o fogo. Se preferir os vegetais crus, pule esta etapa.
- Corte os ovos em pedaços médios.
- Numa tigela, junte os vegetais, as ervas frescas, os ovos fritos e cubra com o molho. Misture delicadamente e sirva a seguir.
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