Devo logo dizer que estava morrendo de saudades de escrever por aqui e já era mais do que hora de voltar! Pois bem, cheguei de viagem há dois meses (como voa!) com a cabeça cheia de ideias para compartilhar. Eu amo o Sudeste da Ásia! Me sinto em casa com o calor, as plantas tropicais, o povo simpático. E, mais ainda, com a abundância de cocos, o jeito de explorar verduras — do mamão verde às folhas de batata-doce, de cúrcuma ou de maracujá — e os sabores apimentados e, ao mesmo tempo, doces, azedos, salgados e amargos. Eu já estava com saudades daquele canto do mundo e, então, fomos passar uma temporada por lá para conhecer um pouco (nunca é suficiente) do Laos, do Vietnã e da Malásia.
Um dos focos da viagem era aprender mais sobre a culinária local. E, para isso, meio que intuitivamente, elegi quatro formas de explorar todo o universo das comidas de lá: pelas ruas (afinal, é ali que está a alma da comida asiática! E não tem nada tem a ver com barraquinhas de cachorro-quente, não; se come comida mesmo, com ingredientes frescos, técnicas apuradas e sabores que não deixam nada a dever aos grandes restaurantes), em cursos de culinária (para aprender técnicas, combinações de temperos e aquelas dicas que fazem toda a diferença, além de trocar conhecimentos com pessoas que compartilham comigo a mesma paixão pela cozinha), em mercados (para explorar toda a riqueza dos ingredientes e voltar inspirada a ver até a minha horta do quintal de forma diferente) e nas casas dos locais (para compartilhar a cozinha e a mesa com eles e, assim, entender melhor o sentido que dão não só para o jantar, mas também para a vida, os amigos, a família).
E foi tudo bom demais. Fizemos vários cursos, provamos comidas de rua diariamente, nos surpreendemos com tantos mercados locais e a vida que existe neles. Mas, talvez, o mais transformador foi poder viver um pouco como os locais, dormindo na casa deles, cozinhando com eles e dividindo a mesa, ou, em muitos casos, a esteira no chão. Foi a melhor maneira de entender o país, ou aquele pedacinho dele, e a alma do povo, mesmo sem falar nada na língua local. Cozinha, como sempre digo, conecta — e sem precisar de palavras.
Um dos locais mais especiais que visitamos foi o Norte do Vietnã, na fronteira com a China. Um lugar lindo, na remota região de Ha Giang, cercada de montanhas, poucos turistas e morada de 17 minorias étnicas. Foram três dias de moto e um a pé descobrindo vilarejos, nos surpreendendo com as paisagens dos morros e arrozais e cruzando cada hora com pessoas de diferentes etnias pela estrada, povos que ainda se vestem, comem e trabalham de forma tradicional.
A sustentação deles vem da terra. Todos, das crianças aos idosos, plantam, colhem, capinam. O arroz, como em todo o Vietnã, é a base da alimentação. Mas comem de tudo: tudo mesmo, todas as folhas que puder imaginar, raízes, alguns tipos de feijão, porco, frango, peixe e, infelizmente, até cães e gatos! O guia me disse que, por causa da escassez, as gerações mais antigas aprenderam a comer de tudo e hoje, mesmo com tanta abundância, o costume permanece. E hoje realmente há muita variedade. As feiras eram uma festa para os olhos e o paladar: nozes, mostardas, pimentas, brotos, verduras e mais verduras, uma variedade incrível de chás, pacotinhos de arroz cozidos na folha de bananeira, panqueca de trigo sarraceno e os inesquecíveis bolinhos de arroz com feijão verde fritos e bem quentinhos.
A culinária dessa parte do país tem um quê da China, até porque a fronteira é logo ali, em alguns locais chega a 3 quilômetros apenas. O chá, por exemplo, é mais comum que o café, tão produzido pelo Vietnã. Aonde quer que você vá, das casas mais simples a restaurantes, sempre vai ter uma bandeja com um bule e pequenas xícaras disponíveis o dia inteirinho para quem quiser se servir de chá. O mais comum é o chá verde, mas também tomam infusões de ervas e folhas, como hortelã, folha de papaia, um tipo de capim-limão e uma infinidade de outras ervas das quais não consegui descobrir o nome em inglês ou português. A sopa é outra tradição. No café da manhã — sim, eles come comida em todas as refeições —, a sopa mais comum era de noodles de arroz com ou sem carne, às vezes, acompanhada de panqueca de arroz com ovos ou com um tipo de carne seca. Muitas vezes serviam também o pho, o prato mais tradicional do Vietnã: uma sopa de noodles em caldo aromático geralmente feito de carne e especiarias, cozido longamente e servido com ervas frescas. Nos almoços e jantares nos homestays em que ficamos, uma sopa bem comum era a de repolho, uma das verduras mais usadas lá. Também eram comuns e me lembravam as cozinhas chinesas e japonesas tradicionais: o tofu, o broto de feijão, muitas vezes germinado, legumes salteados na wok, conservas de nabo, bambu e raiz de lótus. Tudo acompanhado de molho de soja e de um molho de pimenta feito só com pimenta vermelha macerada com bastante sal, um tico de açúcar e limão.
O que me encantou muito foi o jeito de compartilhar a mesa, que, em algumas casas, nem era mesa, era apenas uma esteira de bambu estendida no chão onde todos se juntavam em torno da panela elétrica de arroz quentinho. Sem pressa nenhuma, cada um pegava sua tigelinha, enchia de arroz e, aos poucos, ia se servindo de um pouco de broto, um pouco de repolho com tomates ou abobrinha cozida. Comia, ria, conversava e se servia de um pouco de carne (geralmente, porco), omelete e alguma conserva. Brindava com a tradicional happy water, um fermentado caseiro de arroz ou de milho. Completava a tigela com mais um pouco de arroz e então provava o rolinho vietnamita frito, o amendoim torrado ou o tofu com tomates. Brindava de novo e de novo com a happy water. E, assim, seguia-se por mais até de uma hora, comendo pequenas porções com o hashi e apreciando a comida e a companhia uns dos outros.
Gostei tanto dos sabores e da experiência toda que quis aprender um pouco para conseguir relembrar em casa aqueles momentos que me marcaram tanto. E os donos dos homestays, que eram os cozinheiros também, cada um de uma etnia, me ensinaram alguns pratos. O que mais faço em casa, que já está virando tradição semanal por aqui, é o tofu com molho rústico de tomates. Aprendi com a senhora Dung, da etnia Tay, num vilarejo próximo de Ha Giang. Um jeito saboroso e diferente de comer tofu, que, aliás, o Léo passou a adorar depois que provou assim. É bem simples de fazer, rápido e só suja uma panela! Para facilitar ainda mais, nos destaques (Norte Vietnã 2) do meu Instagram tem o passo a passo em vídeo da receita preparada pela senhora Dung.
O ideal para esse preparo é que o tofu seja firme. Caso contrário, ele não vai fritar bem. Antes de cortar o tofu, gosto de secá-lo com um pano de prato. Para o tofu que compro, já é suficiente. Aqui em Brasília acho um ótimo tofu orgânico vendido na feira do jardim Botânico (na banca de produtos japoneses da Marisa) e também no restaurante Girassol. Se só achar tofu mais mole, pode tentar drená-lo mais tempo e, na hora de dourá-lo, ter cuidado para não quebrar. O tomate que usavam lá era muito adocicado. A variedade que uso aqui é um tomate italiano pequeno ou tomate-cereja. Mas, se quiser, pode tentar com outros também, embora acho que vá ficar um pouco mais ácido e talvez tenha que corrigir a acidez.
Eles não usam muito sal na comida, porque sempre levam à mesa uma tigelinha com molho de soja. Pegam, por exemplo, cada pedacinho de tofu com o hashi, o imergem na tigelinha com shoyu e o colocam sobre o arroz. Assim, o arroz, que é feito sem tempero e grudadinho, também fica temperado. Quando não vou comer com shoyu, tempero com sal e um tico de semente de mamão (que faz as vezes da pimenta-do-reino) ou pimenta-de-macaco.
É o tipo de prato que gosto de fazer e servir em seguida para o tofu ainda estar crocante. Mas pode guardar para depois, só o tofu que vai absorver mais o caldo do tomate e ficar mais molinho. Fica ótimo para uma refeição vegetariana (ou até com peixes), acompanhada de arroz e legumes variados. Aposto que até os “desconfiados” com tofu vão gostar!
- Para o tofu:
- 500 g de tofu firme
- 500 g de tomate-cereja, tomate italiano ou a versão menor do tomate italiano
- meio maço de cebolinha
- azeite (ou óleo neutro) para dourar o tofu
- uma pitada de sal
- pimenta-do-reino (ou semente de mamão ou pimenta-de-macaco) opcional
- Para acompanhar:
- molho de soja (prefira um de fermentação natural e sem glutamato monossódico, a Daimaru é uma boa marca e fácil de encontrar)
- Seque bem o tofu e corte-o em retângulos de mais ou menos 2 cm x 3 cm.
- Pique os tomates em rodelas de cerca de 0,5 cm.
- Corte a cebolinha em tirinhas não tão finas (0,5 cm).
- Aqueça, em fogo médio, uma wok ou frigideira grande e acrescente azeite o suficiente para cobrir o fundo da frigideira e dourar o tofu.
- Junte aos poucos o tofu, deixando espaço entre eles e sem sobrepor uns aos outros. É melhor fazer aos poucos, pois, se colocar tofu demais, não vai ficar crocante.
- Deixe dourar, mexendo com um hashi ou uma espátula. Não use garfos para não quebrar o tofu.
- Vire-os com cuidado e deixe-os dourar do outro lado.
- Passe os tofus prontos para um prato e repita com o restante.
- Quando terminar de dourar o tofu, mantenha a frigideira no fogo. Se precisar, acrescente mais um pouco de azeite e junte os tomates picados.
- Tempere com uma pitada de sal e refogue um pouco.
- Amasse os tomates com o hashi ou uma colher de pau para soltar o caldo.
- Apure e ajuste o sal, se necessário.
- Volte os tofus para a frigideira e misture para incorporar o molho de tomate.
- Por último, junte a cebolinha.
- Desligue o fogo e sirva, acompanhado de molho de soja.
Deixe um comentário